A necessária preservação dos objetivos do FNDCT

Por Wanderley de Souza, professor titular na UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina, para o Monitor Mercantil em 19/03/2020

 

As manifestações, tanto das autoridades governamentais mais esclarecidas, como do setor empresarial mais lúcido e antenado com o futuro, indicam que todos creem no poder transformador do conhecimento científico e tecnológico para um desenvolvimento sustentado. Afinal, exemplos não faltam. Todos os países desenvolvidos têm em produtos tecnológicos a base de seu desenvolvimento econômico e investem mais de 2,5% do seu PIB na área de Ciência e Tecnologia (C&T). O Brasil vem perdendo espaço com um investimento pífio da ordem de 1,2%.

É inexplicável a situação do Brasil na área de C&T. No passado, vários governos fizeram investimentos significativos. Destaco aqui a criação, nos anos 1950, de instituições como o CNPq, Cnen e Capes, sob a liderança de personalidades como o almirante Álvaro Alberto e o educador Anísio Teixeira.

No governo militar, a atuação do então BNDE e a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e Finep foram fundamentais. Na Nova República, Tancredo Neves criou o hoje Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTIC). No Governo FHC, houve a criação dos fundos setoriais, com recursos do setor privado em áreas como petróleo, energia, entre outras, que vêm abastecendo o FNDCT com recursos significativos, arrecadando, até os dias de hoje, cerca de R$ 58 bilhões, ainda que somente menos da metade tenham sido aplicados.

No quadro dramático de 2020, o FNDCT arrecadará cerca de R$ 6,5 bilhões, sendo que R$ 4,8 bilhões mais uma vez ficarão na famigerada “reserva de contingência”. A diferença será utilizada para o apoio a crédito e apenas R$ 600 milhões para apoio aos projetos não reembolsáveis.

A situação se complica quando cerca de 50% desse valor é utilizado para equalização de operações de crédito, logo ficando cerca de R$ 300 milhões para todas as ações de apoio à pesquisa científica e tecnológica realizadas principalmente nas instituições científicas e alguns projetos de apoio à inovação nas empresas com recursos não reembolsáveis. Obviamente, com esses parcos recursos muito pouco pode ser feito. Só para efeito de comparação, ele é significativamente menor do que aquele que várias fundações estaduais dispõem para apoio à pesquisa.

Recentemente, houve uma tentativa do Governo Federal de terminar com todos os recursos do FNDCT via um Projeto de Emenda Constitucional (PEC 187/2019) que visa extinguir um conjunto de fundos setoriais. Graças sobretudo à atuação da comunidade científica capitaneada pela SBPC e ABC, mas apoiada por dezenas de sociedades científicas e pelo setor produtivo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou o parecer do relator (senador Otto Alencar-PSD-Ba) que propôs a retirada da proposta de extinção de alguns fundos, entre os quais o FNDCT. Resta, ainda, a provação no plenário do Senado e, em seguida, pela Câmara dos Deputados. A comunidade científica continua atenta e mobilizada para a aprovação do parecer do relator.

Neste preocupante cenário de desmantelamento da infraestrutura científica nacional, o que fazer com os parcos recursos disponibilizados? Obviamente, o natural é manter os programas básicos de sucesso que o FNDCT vem apoiando nos últimos anos, o que inclui atividades executadas pela Finep e pelo CNPq.

O bom senso indica que a Finep deve priorizar os projetos previstos pelo CT-Infra e aprovados nos últimos dois anos pelo Conselho Diretor do FNDCT e que precisam ser continuados bem como outros, como a complementação de obras, o Centelha, o Tecnova e o SOS equipamentos. Todos são exemplos evidentes de alta prioridade.

No que se refere ao CNPq, é fundamental o apoio aos INCTs, principal programa de pesquisas temáticas existentes no país e que contam com a participação de alguns milhares de pesquisadores trabalhando em temas relevantes. Cito, como exemplo, o estudo das infecções por agentes patogênicos, inclusive as causadas por vírus. Há ainda a necessidade de recursos complementares do Edital Universal, ambos de prioridade cristalina para quem entende de Ciência e Tecnologia.

Acontece que nesse momento crítico, as autoridades do MCTIC estão propondo apoiar novos projetos, quase todos de interesse da área da defesa. É óbvio que a área de defesa merece apoio do governo para desenvolvimento de seus projetos de pesquisa tecnológica. Mais ainda, merecem valores substancialmente maiores ao que estão propondo. Só que a tradição mundial é no sentido de que esses recursos estejam previstos no orçamento do Ministério da Defesa e não no MCTIC.

Na realidade, em outros países, a área de defesa, inclusive, apoia financeiramente muitos projetos em desenvolvimento nas instituições de pesquisa bem como nos setores industriais ligados a este importante setor. Nestes tempos difíceis, até caberia o descontingenciamento de parte dos recursos do FNDCT para alguns programas específicos na área da defesa. Negar recursos do FNDCT neste momento ao CNPq é um ato de irresponsabilidade e demonstração inequívoca de que há um descompasso entre o MCTIC e a comunidade científica brasileira.

Recommended Articles

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *