Mais mulheres na ciência: um desafio de todos nós

Márcia Abrahão, reitora da Universidade de Brasília, para o Correio Braziliense

A presença de mulheres na academia tem sido crescente. A título de exemplo, na Universidade de Brasília (UnB), somos maioria entre os estudantes de graduação, mestrado, doutorado e na residência médica. Também temos mais mulheres como técnicas administrativas. Só perdemos numericamente entre os docentes: há 241 professores homens a mais do que o quantitativo de professoras.

Os dados nacionais a respeito da participação feminina em publicações científicas também são animadores. Segundo um relatório de 2017 da editora científica Elsevier, o Brasil é um exemplo da emergência da produção científica e intelectual de mulheres. Entre os anos de 1995 e 2015, elas passaram a assinar metade dos artigos científicos produzidos no país. Trata-se de um avanço considerável, uma vez que, no período anteriormente analisado (1996 a 2000), eram responsáveis por 38% das publicações.

Mesmo com esses resultados, ainda há uma série de desafios a serem superados, principalmente no que diz respeito à representação feminina em degraus mais altos da carreira. Dos 15.161 pesquisadores brasileiros que recebem a bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — paga aos cientistas que mais se destacam em suas áreas — 5.388 são mulheres (35,5% do total). Somos poucas também entre os pesquisadores seniores do órgão (que representam o mais alto grau na hierarquia): 42 de 161. Há áreas — como engenharias, ciências agrárias e linguística —  sem nenhuma mulher como pesquisadora sênior.

Outro problema é a baixa presença de mulheres em cargos de gestão acadêmica. Das 68 universidades públicas federais, apenas 19 (28%) têm reitoras. Na UnB — embora eu seja a primeira reitora e cinco dos oito decanatos sejam geridos por mulheres –, o desequilíbrio aparece na chefia das unidades acadêmicas. Dos 25 institutos e faculdades, apenas seis são liderados por docentes do sexo feminino.

Parte das razões por trás desse quadro está relacionada aos papéis sociais de gênero e à falta de regulamentação para situações específicas, como a licença-maternidade. Embora os principais órgãos financiadores da ciência no Brasil prevejam mecanismos como o afastamento da pesquisadora ou a prorrogação do pagamento de bolsas após o nascimento de um bebê, o período significa uma pausa na produção científica. Consequentemente, muitas mulheres deixam de ter participação constante, em condições de igualdade em relação aos homens, em diversas seleções para bolsas e editais de financiamento, uma vez que o volume de artigos publicados conta pontos.

Costuma-se estabelecer, a partir desse momento, uma distância entre a nossa produção científica e a deles, por vezes com efeitos cumulativos que explicam por que cientistas do sexo masculino ainda são a maioria nos níveis mais altos da carreira. Políticas públicas que compreendam a maternidade como função social — exercida, inclusive, pelas cientistas — são necessárias para mudar esse quadro.

Não é somente isso, contudo, que trará efetiva equidade de gênero na ciência. É preciso também identificar e combater o preconceito contra mulheres enraizado cultural e institucionalmente — algo que não é exclusividade do Brasil. Nesse sentido, vale destacar um estudo publicado pela revista Nature, uma das mais importantes do meio científico, no ano passado, sobre a menor presença de mulheres no trabalho de revisão de artigos para os periódicos da União Geofísica Americana (AGU, na sigla em inglês).

Os autores analisaram dados relativos à idade e ao gênero dos revisores de artigos científicos entre os anos de 2012 e 2015, em todos os periódicos da AGU. O levantamento mostrou que as mulheres foram revisoras de conteúdo menos vezes do que o esperado, considerando o quantitativo total delas como membros da União, bem como o volume de suas publicações nas revistas da entidade. Os autores acreditam que resultados semelhantes apareceriam em outras organizações científicas e alertam que a revisão por pares é um importante mecanismo para o fortalecimento da atuação das jovens cientistas.

Além de reconhecer o problema e trabalhar em políticas e ações que promovam a equidade de gênero, é importante que todos nós encorajemos meninas e jovens a seguir a carreira que desejarem. Esse é um desafio maior para cursos da área de Exatas, onde ainda somos poucas. Afinal, não há trabalho que não possa ser feito, e bem-feito, por uma mulher.

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1 Comment

  1. Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade doentia e machista que repudia o crescimento intelectual e profissional da mulher. Conseguimos superar muitos obstáculos, mas ainda há uma boa parte da humanidade que menospreza o potencial de uma mulher. Ainda existe a cultura de “dominação masculina” nas profissões, pondo em xeque a capacidade de a mulher ter grandes conhecimentos e realizar as atividades. Tem mulher cientista, mulher astronauta, mulher Física, mulher esportista, mulher lutadora, mulher jogadora, mulher líder de uma empresa, mulher de negócios, mulher dona da empresa, mulher professora, mulher treinadora, mulher juíza, mulher engenheira, mulher escritora, mulher eletricista… Todas podem ser o que quiserem e devem receber igual salário e igual respeito. As mães precisam educar os seus filhos homens a tratar as mulheres com respeito, torcendo por suas conquistas; já as meninas, precisam saber desde cedo que elas são livres para escolher qualquer profissão e realizar seus sonhos em qualquer área profissional. É uma luta a ser lutada por todos, homens e mulheres.

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