Lições da Covid-19: solidariedade escondida nos seres humanos

Por Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília, em artigo para o Monitor Mercantil em 18/03/2020

 

Covid-19 é um vírus RNA (ácido ribonucleico) com alta capacidade de mutação e transmissão. Os vírus são seres muito simples e pequenos (medem menos de 0,2 µm), podem ser observados somente através da microscopia eletrônica e são formados basicamente por uma cápsula proteica envolvendo o material genético. Os vírus só se desenvolvem parasitando uma célula utilizando o sistema de reprodução de seu hospedeiro.

Recentemente, a epidemia provocada Covid-19, que se iniciou na China, transformou-se em pandemia que está se espalhando com grande velocidade em todos os continentes, modificando hábitos e comportamentos, provocando pânicos econômicos, abalando as estruturas sociais que provavelmente terão a duração de alguns meses. O planeta está em alerta. Certamente, com medidas adequadas – isolamento social – e os avanços científicos – vacinas – voltaremos à normalidade.

Vale a pena assinalar que um ser extremamente simples, um vírus, pode provocar tremendas consequências à espécie mais complexa da natureza, o ser humano. Sob o ponto de vista biológico, esses extremos têm interações profundas, revelando as interdependências absolutamente importantes e vitais na natureza. Não é a primeira vez que uma pandemia provoca uma inflexão nos costumes da humanidade. Esses registros podem ser conhecidos na obra de Stefan Cunha Ujvari A história da humanidade contada pelos vírus (Editora Contexto).

A Covid-19 surge em um momento difícil e preocupante para a civilização humana. O cenário é triste. Boa parte dos seres humanos vivem em condições miseráveis, um contingente enorme de desnutridos, desigualdades sociais vergonhosas, prevenção e assistência à saúde inadequadas, migrantes tratados como animais, guerras abomináveis, culturas ancestrais em extinção, atitudes sem ética, violência desenfreada, uso não racional dos recursos naturais, poluição crescente, aceleração das mudanças climáticas etc.

Sem diminuir a importância das ações e as consequências da pandemia provocada pela Covid-19, gostaria de compartilhar algumas reflexões com os leitores. Sendo o índice de mortalidade maior nas pessoas com mais idade, as políticas públicas para a velhice voltaram à tona. Que bom.

O isolamento social, que estamos iniciando e será longo, certamente proporcionará momentos ímpares para a reflexão familiar e individual. A ausência em reuniões sociais, em eventos culturais, esportivos e outros serão substituídos por momentos de reflexão sobre o passado, o presente e o futuro de cada um de nós e de todos. Será um verdadeiro retiro. Essas reflexões poderão indicar como podemos nos transformar e agir para que todos possamos ter uma vida virtuosa.

A interrupção das atividades escolares, sem dúvida, causará atrasos na aprendizagem, que poderão ser recuperados posteriormente. No entanto, para aquelas crianças cuja refeição na escola é a mais importante do dia, o dano será s imediato. A iniciativa de ser fornecido diariamente um kit de alimentação para essa criança é uma proposta positiva. Quem sabe, poder-se-ia pensar em fornecer um kit alimentação para toda a família.

Uma ação semelhante poderia ser pensada aos trabalhadores que obrigatoriamente serão afastados e ficarão isolados durante a crise. As camadas sociais mais vulneráveis serão atingidas. Que bom se começarmos a pensar e introduzir ações para minimizar o sofrimento dos que tem menos. Essa cultura humanitária poderia persistir após a crise.

Hoje tomei conhecimento que jovens no Brasil e no exterior se dispõem de forma espontânea a auxiliar as pessoas com mais idade a fazerem compras em um supermercado ou farmácia. Que beleza. Isso demonstra quanta bondade e solidariedade existem escondidas nos seres humanos.

Assisti a um vídeo, gravado na Itália, onde as pessoas nas janelas ou nas varandas cantam juntos. Essas pessoas, provavelmente, devido à correria desenfreada na cultura ocidental, mal se cumprimentavam. O isolamento social construindo pontes sociais. Que maravilha.

Sem ter a mínima vocação de ser profético, existe uma real possibilidade de termos uma inflexão positiva nas relações humanas provocadas pela Covid-19. Apesar da dor e sofrimentos de muitos, aprenderemos muito com a pandemia que atravessamos. Quando a essa tempestade terminar teremos a perspectiva de um mundo melhor e mais justo. Oxalá.

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1 Comment

  1. Parabéns prof Isaac Roitman pelas suas significativas palavras, por sua visão do momento em que estamos atravessando e por seus sentimentos positivos. Observamos que entre governos também está ocorrendo uma preocupação com os países mais vulneráveis. Precisamos urgente de uma coordenação mundial de ações, como está tentando a OMS, cujas orientações têm ajudado a salvar vidas. Nunca em nosso país os especialistas da área de Ciências da Saúde foram tão demandados e tiveram um espaço tão agrande para emitir as suas opiniões. No entanto, ainda necessitamos muito de coordenação estratégica. Não dá para entender como o segundo país na produção de álcool do mundo não consegue abastecer as farmácias e os supermercados com álcool 70º INPM, pelo menos. Conseguimos abastecer os carros com Álcool anidro e não conseguimos abastecer a sociedade, que tanto necessita do alcool 70ºINPM? Não dá para entender!

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