Os que constroem artefatos como navios, edifícios, aviões etc., têm um projeto e, nele, mapeiam cada componente que será incluído na obra. Uma casa a ser erguida, por exemplo, deve ser compatível com o terreno e as especificações de quantos andares são permitidos construir, a distância em relação aos lotes vizinhos, como está inscrito no código de obras ou nas posturas urbanas onde o prédio será construído. Assim também se deveria proceder ao construir o espaço e o território de um país, mormente de um grande país como o Brasil. Aliás, o “código de obras” para o Brasil é a Constituição de 1988. Nela estão tipificados os parâmetros a serem seguidos nos espaços agrários, nas cidades e em âmbito regional. Na Constituição está determinado como a Nação brasileira organizou-se politicamente, como cada cidadão é representado no Congresso Nacional, quais os direitos e deveres dos brasileiros e como cada um exercerá sua cidadania e assim por diante. Sempre que for necessário ajustar nossa Carta Magna, isso se fará sob os parâmetros da Lei.
Portanto, temos os balizamentos necessários para a construção de um país justo, democrático, igualitário e solidário, no qual o produto social deve ser compartilhado e distribuído socialmente. Alguém argumentará ser isso utópico em demasia para ser atingido. Nesse caso, vale lembrar que há inúmeros países nos quais a justiça social já foi atingida em maior ou menor grau; outros há em que metas de distribuição e igualitarismo ainda não foram atingidas, mas todos trabalham nesse sentido e países há em que nada se faz para mudar o quadro de extrema desigualdade e injustiça social. Nestes, por vezes, há disputas políticas, raciais e/ou religiosas em que não há indicação de que as vontades virtuosas se façam presentes para mudar o “status quo”.
Então, temos situações opostas, mas há, como no caso brasileiro, situação intermediária por estarmos entre os primeiros e os últimos: nosso caminho é o do meio, isto é, todos em suas respectivas áreas e competências trabalham para alcançarmos o maior grau de distribuição da riqueza gerada coletivamente.
Examinemos essa situação intermediária acima descrita: desde a era Vargas temos legislação que protege o trabalhador, evitando que ele seja exaurido ao executar suas tarefas, pois a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que muitos desejam “flexibilizar”, contém todos os elementos para que o trabalhador descanse entre uma jornada e outra, possa ter um salário justo, gozar férias anuais, ter respeitado seu fundo de garantia para o caso de desemprego, enfim, tenha condições de manter-se e a sua família, se a tiver. Se isso foi pensado para um funcionamento harmônico e virtuoso entre as empresas que contratam mão de obra e os que produzem para a lucratividade da empresa, é justo haver retribuição ao esforço físico ou intelectual dos trabalhadores.
Todavia, nem sempre as relações entre empregado e empregador público ou de empresa privada são pacíficas. Seguidamente, nos últimos 100 anos, no Brasil e em outros países, há rupturas. Essas podem ser relativamente pacíficas – como a greve ou podem ter alto grau de violência. Neste caso, materializam-se revoluções internas, com fundo político/econômico e mesmo para a tomada do poder. As greves legítimas buscam acordos para compensar perdas salariais ou para manter conquistas ameaçadas pelo desbalanço entre o poder econômico e certas categorias enfraquecidas pela inflação, que corrói anualmente o salário.
Em tempos de crise econômica e política como os atuais, as greves e os conflitos espalham-se por todos os estados brasileiros. Estes, com a crise financeira, estão com os cofres à míngua, com baixa capacidade de pagar fornecedores, construtoras e até os salários dos funcionários públicos. Muitos indicam que a crise é resultado da queda na produção e das vendas de bens ou das exportações e que, por isso, têm baixo ingresso de recursos, que somente serão superados quando a crise econômica mundial for superada. Em suma, temos círculo vicioso a ser superado: alargar as possibilidades de produção, desde o nível local e regional, para que se retorne a empregar milhões de alijados de seus postos de trabalho e que, portanto, não receberam e não recebem a “fatia do bolo” prometida há décadas. Portanto há um longo caminho a percorrer para que cada vez maior número de brasileiros tenha acesso aos bens e recursos a serem socialmente distribuídos, pois foram socialmente produzidos.
* Professor emérito, pesquisador associado do Departamento de Geografia, do Neur/Ceam/UnB, Diretor da Deura/Codeplan e Coordenador do Grupo de Estudos Ocupação do Espaço Geográfico do Movimento 2022 O Brasil que queremos.