É fundamental que o CNPq se mantenha como a ‘Casa do Cientista’

*Wanderley de Souza

É sempre instrutivo retornar às origens da criação de uma agência de fomento para modelar o seu futuro. Quando alguns pesquisadores brasileiros ligados à Academia Brasileira de Ciências (criada em 1921), liderados pelo Almirante Álvaro Alberto, trabalharam pela criação do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, criado em 1951), tinham duas preocupações fundamentais. Primeira, organizar um sistema que permitisse o apoio financeiro aos poucos grupos de pesquisa existentes no país. Daí, a origem dos “auxílios à pesquisa”, que mais tarde deu origem ao “Edital Universal do CNPq”, existente até hoje. Segunda, criar condições para a sobrevivência dos poucos pesquisadores existentes e que não eram bem remunerados pelo serviço público.

Em uma época em que ainda não havia o regime de tempo integral e dedicação exclusiva, os poucos pesquisadores tinham que trabalhar em vários lugares para se sustentarem. É neste contexto que surge um programa de apoio financeiro de pequena monta, mas considerado vital para que muitos pudessem se dedicar integralmente à atividade de pesquisa e ensino. Essa ação foi, em seguida, implementada com a concessão de bolsas a partir de 1956 e, posteriormente, estruturada no Programa de “Bolsa de Produtividade em Pesquisa” que vem funcionando de forma organizada desde 1976.

A conjunção destes dois programas (Auxílio à Pesquisa e Bolsa de Produtividade) criaram as bases para o conceito de que o “CNPq é a Casa do Cientista Brasileiro”, conceito este que devemos defender com todas as nossas forças. Com o passar do tempo outros programas foram criados.

Destaco apenas alguns. Primeiro o apoio às bolsas de pós-graduação, inicialmente para estudantes vinculados aos projetos de pesquisa apoiados pelo CNPq e que, em seguida, evoluiu para um apoio institucional aos cursos de pós-graduação que, a meu ver, deveria ser missão da Capes. O CNPq deveria focar sua atuação em apoio aos pesquisadores apoiados nos seus vários programas. Segundo, o estímulo a que estudantes de graduação se engajassem em projetos de pesquisa. Em 1970, ainda como estudante de medicina, recebi uma dessas bolsas acoplada ao projeto que minha orientadora coordenava e que era apoiado pelo CNPq.

O número dessas bolsas era pequeno e me recordo que assinei o termo de outorga na sala do então Presidente do CNPq (Antônio Couceiro) e na presença do então diretor científico da instituição (Firmino Torres de Castro). Este programa evoluiu para o hoje pujante Programa de Iniciação Científica que também passou de um apoio individual ao pesquisador para grandes programas institucionais. Com o passar do tempo, o CNPq também passou a liderar grandes projetos como o Programa de Núcleos de Excelência, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia-INCT e dezenas de projetos temáticos importantes em várias áreas.

Posso afirmar que todo pesquisador brasileiro se orgulha do CNPq. A grande maioria continua desejando que o CNPq seja a Casa do Cientista. Todos foram solidários com os servidores e dirigentes do CNPq com a redução drástica de seu orçamento e iniciaram 2023 com grandes esperanças para que a agência volte a ser o abrigo seguro daqueles que desejam desenvolver projetos de qualidade, especialmente aqueles voltados ao avanço do conhecimento nas mais diferentes áreas. O CNPq é a casa da ciência fundamental sem, obviamente, desprezar a chamada ciência aplicada e a inovação tecnológica.

Depois de alguns anos onde significativos retrocessos ocorreram no país, em que a atividade científica foi menosprezada, renasceram grandes esperanças no sentido de que iremos recuperar o tempo perdido e avançar no desenvolvimento científico brasileiro. Temos a responsabilidade de ajudar os colegas que estão ocupando os cargos a desenvolverem um bom trabalho. No caso do CNPq temos à frente um excelente pesquisador, acadêmico e com grande experiência na administração de instituições científicas. Ficamos preocupados com a notícia amplamente divulgada na comunidade de que o CNPq iria acabar com a Bolsa de Produtividade Acadêmica. Fiquei atônito pois uma medida tão equivocada como esta, que representaria o rompimento com um dos dois eixos centrais de foco do CNPq, não poderia ter vindo do novo presidente do CNPq. Ele, no entanto, prontamente soltou uma nota onde fica claro o compromisso do CNPq com a manutenção da bolsa de produtividade acadêmica. Sugiro que, inclusive, esse programa seja ampliando significativamente, tanto o valor das bolsas como o seu número, pois claramente há um grande número de jovens pesquisadores que não está conseguindo ingressar no programa, ainda que tenham mérito reconhecido. No passado, a bolsa de mais elevado nível representava 30 % do salário de um professor titular. Hoje representa apenas 7%. Por fim, destaco que ser bolsista de produtividade do CNPq é uma honraria reconhecida por todos no meio acadêmico. É um título usado com orgulho na apresentação de um pesquisador.

*Professor titular da UFRJ

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