Por Aldo Paviani, geógrafo e professor emérito da UnB, para o Correio Braziliense em 13/10/2020
Há mais de 60 anos, iniciava-se a construção da futura capital federal após aprovação do projeto de Lucio Costa, selecionado pelo Júri Internacional, presidido pelo britânico Sir William Holford. O plano piloto, segundo o pensamento dos idealizadores, deveria conter a cidade de Brasília integralmente. Todavia, a migração no final dos anos 1950 exigiu a ampliação da oferta de habitação, com o que, ainda em 1958, tenha sido criada Taguatinga, como a primeira cidade-satélite. Nos anos subsequentes, foram traçados planos para outros núcleos urbanos até atingir 33, sendo guindadas à posição de Regiões Administrativas (RAs).
Ficou estabelecido que o Plano Piloto seria a RA 1. Com a disseminação de núcleos urbanos no território do Distrito Federal (DF), a cidade que deveria ser unitária sob o ponto de vista do povoamento urbano, apresenta polinucleamento prematuro. Resultaram dos núcleos múltiplos algumas características singulares: notório afastamento da moradia em relação às atividades político-administrativas e de serviços, mais adensadas e mais bem remuneradas no Plano Piloto, pois, basicamente, as RAs foram desenhadas para moradia e não para ter locais de trabalho próximos.
Além disso, cidades distantes umas das outras dificultam os deslocamentos diários da população e, com isso, grande problema de mobilidade, que se torna mais cansativo, demorado e dispendioso. Outros aspectos do povoamento gerado é a necessidade de construir vias asfaltadas de longo percurso, além de propiciar a destruição da cobertura vegetal. Como círculo vicioso, os aguaceiros de primavera/verão provocam torrentes causadoras de alagamentos porque não há infiltração para abastecer os lençóis freáticos.
Além disso, o intenso povoamento ensejou grilagem de terras e o surgimento de núcleos habitacionais não legalizados que, de algum modo, suprem a falta de políticas habitacionais e de incremento das atividades produtivas. Constata-se que esse povoamento esparso se encaminha para a conurbação, o que facilitaria o transporte coletivo, mas com prejuízo de quase seis décadas de qualidade ambiental.
A qualidade ambiental é medida pela vegetação existente entre um núcleo urbano e outro no quadrilátero do DF e fora dele nos municípios adjacentes no estado de Goiás. Desde os anos 1960, o povoamento fez crescer os municípios goianos com a mudança de família do DF para as antigas fazendas próximas, loteadas para atender a estas demandas. Foi assim com a Cidade Ocidental e Valparaíso, ambas construídas por empresas imobiliárias existentes em Brasília. Outras foram ampliações de vilas menores, como o distrito de Luziânia, Santo Antônio do Descoberto, Águas Lindas e Padre Bernardo. Outros municípios abrigaram população que se deslocou do DF para ter casa própria ou aluguéis menos elevados.
Pode-se entender o acerto do IBGE em considerar Brasília Metrópole Nacional em sua publicação de 2008, Regiões de influências das cidades – 2007, ao lado do Rio de Janeiro. Nesse estudo, São Paulo é a Grande Metrópole Nacional, contando com muitas outras classificações dos centros importantes do país. As três metrópoles possuem territórios amplos de influência e, no caso de Brasília, não seria mais admissível que sua área metropolitana possua um “Entorno”, justamente constituído com os municípios adjacentes. O IBGE não trata de entornos de quaisquer metrópoles, mas de periferias ou de colares metropolitanos, por suas ligações e dependências da cidade-mãe.
Ademais, no caso de Brasília, pesquisas mostram que o termo Entorno acaba sendo excludente e de alguma forma indicador de preconceito. Pesquisas realizadas nesses municípios indicaram que o trabalhador da periferia metropolitana não tinha tratamento igualitário em relação ao morador da capital — ficava em segundo plano. Mesmo assim, a mobilidade diária intraurbana dessa metrópole indica que o ir e vir é constante e se faz como em outras grandes cidades, pois a capacidade de gerar empregos é maior no coremetropolitano do que nas bordas, internas, ou no estado, ou nos estados vizinhos.
Como referido, as cidades-satélites por muito tempo foram locais de moradia e não de moradia e de trabalho, mesmo que o padrão urbano delas não seja equivalente: Taguatinga, com subcentro urbano, possui mais possibilidade de reter os habitantes do que Gama; e este, por sua vez, com o Novo Gama, do outro lado do limite interestadual.
Pelo exposto, é razoável solicitar à mídia em geral e aos órgãos de imprensa que deixem de tratar o colar metropolitano como Entorno e passem a tratá-lo como componente de verdadeira área metropolitana, a de Brasília. Dá mais conteúdo humanitário e mais status.