Artigo de Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília.
Em 1995 atendendo a uma convocação do então reitor da UENF, Wanderley de Souza e de Darcy Ribeiro, assumi a direção do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB). Uma semana antes de ir para Campos, tive em Brasília, uma conversa de 04 horas com o notável brasileiro, Darcy Ribeiro, que concebeu a Universidade de Brasília (inaugurada em 1962) e a UENF (inaugurada em 1993). O tema da conversa foi a Universidade do futuro.
O desafio de ter a oportunidade de colaborar na implantação uma Universidade contemporânea foi um privilégio. Gostaria de no texto abaixo de contar um episódio pitoresco, uma iniciativa que foi descontinuada e refletir sobre o futuro da UENF.
Episódio pitoresco. Alguns dias depois de minha chegada estava agendada a Aula Magna de 1995 que seria proferida pelo então Ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Na agenda, antes da aula, o convidado visitaria o CBB. Coloquei um avental e recebi uma numerosa comitiva e fotógrafos e cinegrafistas da imprensa. Fazia parte da comitiva Darcy Ribeiro que me solicitou mostrar um Microscópio Eletrônico de última geração. Salvo engano havia somente 03 exemplares no planeta. Conduzi a comitiva. No entanto, me enganei e mostrei o Microscópio Eletrônico antigo, já obsoleto. Darcy comentou ao meu ouvido: “Não é esse, é o outro”. Envergonhado e para não confessar meu erro, disse:
“Vamos mostrar esse, que é o que ele comprou quando foi reitor da UNICAMP”, depois mostramos o outro”. Darcy replicou: “Excelente ideia”. E assim foi feito.
Iniciativa descontinuada. Em 1995-1996 ainda não havia órgãos colegiados na UENF. Todas as semanas os diretores dos 04 Centros (CCB, CCTA, CCH e CCT) se reuniam com o reitor para a tomada de decisões em todas as dimensões da Universidade que estava se estruturando. O CCB oferecia um curso de graduação em Ciências Biológicas e cursos de pós-graduação. Fiz uma análise do curso de graduação, que era ministrado em tempo integral (dias úteis: 08-12hs e 14-18hs). Relatei a análise na reunião semanal dos dirigentes, assinalando que o curso não tinha nada de original e era uma cópia do curso de Ciências Biológicas da UFRJ de onde foram atraídos a maioria dos docentes do CCB. Enfatizei que deveríamos ter um curso diferente, lembrando as diretrizes de Darcy Ribeiro, que a UENF era uma Universidade experimental. Fiz então uma proposta que contava: 1. Redução pela metade dos créditos de todas as disciplinas (na época era uma tendência internacional a redução de carga horária de atividades tradicionais e o incentivo ao maior protagonismo dos estudantes), como já preconizado por Paulo Freire; 2. Como o curso era de tempo integral, todas as atividades (aulas teóricas e práticas, seminários, avaliação, etc.), deveriam ser feitas no período de 08-12hs. 3. As tardes (14-18hs) seriam reservadas para outras atividades (estágios, iniciação científica, bolsa trabalho, novas atividades ligadas as disciplinas, etc.; 4. Todas as tardes (de segunda a sexta feira), às 17hs, haveria uma conferência seguida de debates aberta aos estudantes de graduação e pós-graduação e professores, sem o registro de presenças. Estudantes e professores de outros Centros eram também bem-vindos. E assim foi feito.
Não houve reação negativa dos estudantes a essa proposta. Provavelmente muitos pensaram: “metade das aulas, metade das matérias a serem cobradas na avaliação”. Entre os docentes a reação negativa foi evidente. Relatarei uma delas. Um Professor do CBB, dias antes do lançamento da proposta, que ministrava uma disciplina de 04 créditos, havia feito um pedido para o aumento para 06 créditos (06 horas semanais). Ele me procurou e disse que minha proposta era absurda. Relembrei a ele que nossa Universidade era experimental e voltaríamos atrás se os resultados não fossem positivos. Não o convenci. Ele disse que se sua disciplina fosse reduzida para 02 créditos, ele se demitiria. Disse a ele então para encaminhar seu pedido de demissão. Furioso, antes de deixar a sala da diretoria, me perguntou: “o que significa outras atividades ligadas às disciplinas”. Eu respondi: “por exemplo, o Professor pode convocar seus alunos na parte da tarde, para realizarem uma experiência no campo”. Ele sorriu e disse: “eu queria sempre fazer isso, mas os estudantes tinham sempre a agenda lotada”. O Professor aderiu ao projeto de imediato.
Com respeito ao encontro diário às 17hs, 70% dos temas eram ligados à Biologia e 30% a outras áreas de conhecimento. Essa diversidade de temas estava em harmonia com a oportunidade do estudante de ter uma cultura universitária não limitada a sua área de interesse. O auditório amplo estava sempre lotado. Não havia horário para o término dos debates. Alguns terminavam em torno das 21hs com 50% da plateia presente. É verdade que naquela época não havia muito que fazer em Campos a noite! Infelizmente essa iniciativa foi descontinuada. Que tal experimenta-la novamente?
Refletindo sobre o futuro da UENF. Durante esses 27 anos de existência, a UENF apresentou resultados magníficos. Alguns exemplos: 1. Conquistou por 2 vezes o Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica (2003 e 2009). 2. Em 2008 recebeu o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, concedido pela Organização dos Estados Ibero-americanos. 3. Em 2007, 2008, 2009 e 2010 foi apontada pelo Ministério da Educação (MEC) como uma das melhores Universidades do Brasil, com base no Índice Geral dos Cursos (IGC).
Em passado recente a UENF e outras Universidades estaduais do Rio de Janeiro sofreram graves crises financeiras. A comunidade universitária e a sociedade devem ter um papel importante para que isso não se repita. Devemos todos estar atentos e lembrar o pensamento de Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.
As ações do presente, irão modelar o futuro da UENF. Devem ser entendidas como um compromisso com a utopia de seus fundadores, sobretudo de Darcy Ribeiro. A criação e a disseminação do conhecimento científico e tecnológico deverá ser uma de suas prioridades. A formação para a vida cidadã de seus estudantes, além da competência profissional, deverá incorporar e consolidar valores e virtudes, principalmente incutindo a ética, a responsabilidade social e o protagonismo para eliminarmos a pobreza e a desigualdade social em nosso País. Para alcançar essas metas será absolutamente necessária uma atmosfera interdisciplinar e instrumentos para o aprendizado da cultura universitária e humana em seu corpo discente. A arte deverá fazer parte do cotidiano da Universidade. Os projetos de extensão serão fundamentais para o amadurecimento dos estudantes e criaria pontes entre a Universidade e a sociedade.A pesquisa deverá representar um papel importante na produção do saber e a sustentabilidade deverá ser um princípio para a sobrevivência do planeta. A pesquisa deverá ter como bussola a contribuição para a solução dos problemas da sociedade brasileira. Os talentos devem ser identificados e oportunidades para exercer e amadurecer lideranças devem estar abertas para todos eles. Os estudantes devem se preparar para desempenhar um papel virtuoso em um mundo que, devido aos avanços tecnológicos, será bem diferente. Todos devemos manter a esperança de termos um País melhor e mais justo. Vida longa à UENF.
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