Fundador da UFSCar e da Embrapa de São Carlos, Sérgio Mascarenhas teme o futuro da ciência no Brasil

Por G1 São Carlos e Araraquara e EPTV

 

\"\"“O caminho para o desenvolvimento passa pela tecnologia, educação e empreendedorismo\” disse o pesquisador de 91 anos, considerado ‘mestre dos cientistas’, em entrevista ao especial ‘Nossa Gente’ da EPTV.

 

Se hoje São Carlos (SP) ostenta o título de “Capital da Tecnologia” deve, em grande parte, ao trabalho de Sérgio Mascarenhas. O físico foi o fundador do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo (USP), da unidade da Embrapa Instrumentação, participou da criação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Considerado o “mestre dos cientistas” e respeitado internacionalmente pelas suas contribuições à física, ao agronegócio e à medicina, Mascarenhas hoje, aos 91 anos ainda está atuante, mas teme pelo futuro da ciência no Brasil.

Ele foi entrevistado neste sábado (21) no especial \’Nossa Gente\’, que comemora os 40 anos da EPTV, afiliada da TV Globo (veja vídeo abaixo).

“Dizer como estão dizendo atualmente que o Brasil não precisa de ciência básica é não conhecer nada da evolução da humanidade. Da pesquisa básica nasce a ciência aplicada. O Brasil se não for pelo caminho da ciência, da computação, da inteligência artificial, da robótica, nanotecnologia, vai ficar cada vez mais colonizado pela tecnologia alheia”, disse.

Mascarenhas nasceu no Rio de Janeiro, onde se formou na Universidade Federal (UFRJ), mas fez carreira em São Carlos, para onde se mudou motivado a fazer pesquisas inovadoras.

“No Rio era terra que se fazia física nuclear, física de partículas, e eu achava que o Brasil tinha que caminhar também para a física da matéria condensada com a parte de informática, eletrônica, computadores, chip, transistor. Eu vi que essa era a revolução muito maior até do que a própria física nuclear”, contou.

O pesquisador transformou a pesquisa de materiais na sua missão de vida, foi um dos primeiros pesquisadores a trabalhar na área no Brasil e a inseriu em todas os setores que conseguiu.

Em São Carlos, criou o Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo (IFSC/USP) e a Embrapa Instrumentação, que hoje abriga o Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio.

Foi a instituição que, junto com o aluno de mestrado Silvio Crestana – que anos depois se tornaria presidente da Embrapa – desenvolveu um tomógrafo para as raízes das árvores.

“Foi o primeiro trabalho mundial de tomografia computadorizada para o agronegócio”, lembrou.

Mas o principal legado de Mascarenhas para São Carlos foi a UFSCar, da qual foi um dos idealizadores e onde foi responsável pela criação do curso de Engenharia de Materiais, o primeiro do tipo na América Latina.

“Quando o Ernesto Pereira Lopes (empresário e deputado federal na época) percebeu que São Paulo era o único estado que não tinha universidade federal, ele propôs fazer uma universidade em São Carlos. Eu fui à apresentação que ele fez e disse para ele: ‘não adianta fazer uma universidade grande que repita o que as outras fazem. Tem que fazer uma universidade nova que faça o que não foi feito ainda. E ele concordou comigo.”

A universidade deu início com ensinos de áreas pouco conhecidas na época como engenharia de materiais, computação e ecologia. “Em suma ela fez a revolução, é a Universidade Federal de São Carlos, da qual eu me orgulho muito”.

Como fez com São Carlos, Mascarenhas propôs a formação de centros de emergentes de pesquisa no Brasil todo.

“O Brasil precisa, diante da magnitude do território brasileiro e da grande variedade de clima do solo, riqueza natural, ter ciência em vários lugares, no nordeste, no sul, no centro sul. Eu acho que eu deixei um legado que foi ter criado centros fora do Rio e de São Paulo. Eu ajudei a criar um centro de física no Recife, que é um dos melhores centros de física química, matemática da América Latina”, afirmou.

Qual o futuro da ciência?

Para o cientista, o caminho para o desenvolvimento do país passa pela pesquisa, mas ressalta que a ela precisa extrapolar os laboratórios.

“A ciência precisa sair da universidade e ser aplicada na sociedade, ter um sentido social. O Brasil está atrasado e tem que seguir o caminho da ciência, tecnologia, educação e – a palavra muito chave – empreendedorismo. Não basta você inventar na universidade e não levar para a sociedade”, afirmou.

Defensor ferrenho da transmissão do conhecimento (“Professor só é bom se tiver alunos melhores que ele”, costuma dizer) que lhe concedeu o título de \’mestre dos cientistas\’, ele teme pelo futuro da pesquisa e da educação no país.

“Como nos estamos indo para trás desse jeito? Eu estou revoltado com o atraso que esta sendo a destruição do pouco que nos fizemos em ciência. O pessoal está destruindo a ciência. Querem acabar com as universidades públicas grátis, como o filho de pobre vai cursar? Só filho de rico vai poder fazer universidade. Nós estamos em uma situação de destruição do pouco que nós fizemos”, afirmou.

Na avaliação do cientista, o Brasil está indo na contramão do desenvolvimento, pois o futuro será feito com tecnologia e diz que a grande questão cientifica do século 21 é se haverá um computador capaz de o cérebro humano.

Ele acredita sim. “Nós estamos caminhando claramente na robótica na Inteligência Artificial e na própria genética.”

Da doença surgiu a inovação

Em 2005, aos 77 anos, Mascarenhas foi diagnosticado com hidrocefalia um acúmulo de líquido no cérebro, mais comum em crianças.

“Eu tive hidrocefalia em adulto. Era uma coisa que não era conhecida. Era considerada uma doença diferente, chamada de falso tumor cerebral”, contou.

Inconformado precisar ter o crânio perfurado para que a pressão intracraniana fosse aferida, criou um mecanismo com um chip capaz de fazer a medição sem a necessidade de cirurgia.

“Eu achei um absurdo no século 21 você não ter uma maneira de medir não invasivamente a pressão intracraniana no sistema nervoso”, contou.

Levou a sugestão aos médicos que cuidavam do seu caso, que não acreditaram no sistema, dizendo que o crânio era rígido e a pressão não poderia ser medida externamente. “Eu disse que não existe nada rígido na física, nem o núcleo atômico”, lembrou.

A pesquisa resultou em um aparelho que hoje é utilizado em vários hospitais para o tratamento de hidrocefalia, tumores cerebrais e traumatismo craniano. A invenção ainda chamou a atenção da Nasa, mas o pesquisador optou por montar uma startup que administra a venda, uso e distribuição do aparelho.

O pesquisador continua a trabalhar no sistema e quer aprimora-lo para conhecer diversos processos cerebrais e usa o exemplo do aparelho de medição de pressão intracraniana para comprovar que é a ciência brasileira pode se destacar internacionalmente.

“Isso é não ser colonizável. Isso é acreditar que brasileiro não faz só carnaval e futebol, faz ciência também.”

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