Por Dioclécio Campos Junior, para o Correio Braziliense –
O Dia da Criança não deve ser visto apenas como festa comercial para venda de brinquedos. Vai muito além. É a data de merecida homenagem ao ser humano na fase de vida marcada pelo crescimento físico, desenvolvimento mental e formação da personalidade. Sua primorosa essência deve ser reconhecida na dimensão que possui. A sociedade não pode desprezar o valor da infância. Ao contrário, há de cultuá-la como uma etapa indispensável ao amadurecimento cerebral do qual depende a construção da luminosa consciência humana.
A vivacidade comunicativa da criança caracteriza-se pelo exercício da arte de brincar, que lhe é inerente e interativo. Faz parte dos pendores originais trazidos ao mundo pelo recém-nascido, de forma espontânea, natural, autêntica, alegre e contagiosa. Não faltam evidências e provas de que essa arte é virtude própria da criança. De fato, brincar é um importante verbo, cuja conjugação é capacidade congênita da nova criatura. Há de ser estimulada com afeto e aconchego. Na verdade, brincar não é só usar brinquedo. É, acima de tudo, uma ação original e independente que está na gênese da elevada capacidade de aprendizagem de que é dotado o ser pueril.
Um dos procedimentos mais benéficos para o ser humano, nos seis primeiros anos, já vem sendo realizado por muitos entes parentais. É a leitura de livros apropriados a essa fase de vida, feita em momentos de carinhosa interação com os filhos, que passam a incorporar gradativamente o estímulo de tão valiosa prática. Pode-se, então, dizer que a homenagem a ser prestada à criança não é o aumento do entulho de uma brinquedoteca, mas a progressiva valorização de uma biblioteca.
A comemoração a ser feita no dia do ser pueril deve expressar, de forma concreta e objetiva, o compromisso com a promoção integral da sua saúde e educação, em bem estreita conformidade com os requisitos inconfundíveis da infância. Para tanto, a sociedade precisa trabalhar em favor de propostas e realizações que sejam fatos autênticos, porque contra fatos não há argumentos. Os discursos políticos, unicamente comemorativos da data, restringem-se ao alcance limitado da retórica. A criança é equivocadamente tratada como miniatura do adulto, o que ela não é, nunca foi e nem será.
As mais importantes medidas a serem oficialmente adotadas por um governo são, entre outras, as seguintes: 1) reversão do declínio da taxa nacional de fecundidade; 2) prevenção do estresse durante a gravidez; 3) promoção do parto normal e saudável; 4) instalação da puericultura em todos os serviços de promoção da saúde infantil, sejam públicos ou privados; 5) construir e manter unidades qualificadas de serviços pediátricos no país; 6) adoção do modelo da carta da União Europeia sobre os direitos da criança hospitalizada; 7) aumentar a quantidade e a qualidade de creches e pré-escolas em todo o país; 8) criar a profissão de educador da criança em creches e jardins da infância, a ser formado com apoio de instituições universitárias; 9) proibir o uso do ser infantil em propaganda de empresa de qualquer modalidade; 10) criar a disciplina obrigatória de educação em saúde em todas etapas da escolaridade; 11) universalizar o direito à licença-maternidade de nove meses e à licença-paternidade de três meses; 12) criar espaços urbanos apropriados ao lazer estimulante e seguro de crianças; 13) lançar e manter programa de prevenção contra acidentes na infância; 14) adotar iniciativas de estímulo à amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida; 15) assegurar à população infantil o acesso a escolas de qualidade; 16) criar ações preventivas contra o uso indevido da tecnologia de comunicação durante a infância; 17) reduzir os índices de poluição sonora na proximidade das escolas; 18) valorizar o exercício do magistério; 19) definir projeto de música para alunos da educação básica e fundamental, em parceria com as escolas de música das universidades; 20) garantir a assistência integral do pediatra na atenção primária à saúde da criança.
Em síntese, são as propostas de projetos a serem implantados com a absoluta prioridade definida no artigo 227 da Constituição Brasileira. Cabe aos governantes desempenhar essa nobre missão em benefício das novas gerações. Pesquisa do economista James Heckman comprova que assegurar saúde e educação de qualidade durante a infância é o investimento com maior retorno econômico. Só assim haverá aumento do capital cognitivo da sociedade. Será a verdadeira homenagem à altura do Dia da Criança.
DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR – Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, presidente atual do Global Pediatric Education Consortium (GPEC). E-mail: dicamposjr@gmail.com