Eduardo Chaves*
*Assistente social, doutorando em Ciência Política pela UnB e integrante do Movimento 2022 – o Brasil que Queremos
O aumento dos estudos e mobilizações acerca da importância da primeira infância tem muitos pontos positivos. Um dos principais reside no entendimento de que a criança é sujeito de direitos e, além disso, central para o desenvolvimento de um país mais justo para todas as pessoas.
Outro ponto importante é a materialização do princípio constitucional de responsabilidade tripartite entre o Estado, a família e a sociedade na proteção à infância. Busca-se, assim, que este cuidado não seja apenas da mulher, mas que sobretudo se dê pela inclusão de pessoas notadamente omissas na educação e cuidado dos/as filhos/as, especialmente o homem.
Cada vez mais se discute o papel masculino e novas formas de romper com o modelo de parentalidade tradicional que é péssimo não apenas para a criança e para a mulher, mas também para o próprio homem. Aos trancos e barrancos, a criança acaba crescendo e as mulheres “dão um jeito”, mas o homem perde muitas coisas importantes e boas que o exercício da paternidade traz aos envolvidos. Nesse ponto, além do dever de compartilhar as responsabilidades com a criança, há o direito de ser pai que também não é exercido.
E o que o dia dos pais tem a ver com isso? Fico pensando nas outras datas comemorativas que temos hoje em dia e o que elas significam em uma perspectiva maior que sua exposição comercial. No caso das crianças, o dia 12 de outubro é um marco para pensar nessa população como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e não apenas como adultos em miniatura que poderiam trabalhar como qualquer outra pessoa. O chamado “sentimento de infância” foi importante especialmente depois da Revolução Industrial, na qual todas as pessoas eram vistas como trabalhadoras em potencial, inclusive crianças na mais tenra idade [link]. Essa perspectiva tem sofrido diversos ataques e retrocessos, como as tentativas de redução da maioridade penal [link], mas isso é assunto para outra oportunidade.
Outro exemplo de momento emblemático para a humanidade é o 8 de março, o Dia Internacional da Mulher. Especialmente na atualidade crítica que vivemos, refletir sobre a afronta da sociedade machista e patriarcal aos direitos mais básicos das mulheres é uma tarefa para todas as pessoas. Desde a intromissão em sua autonomia sexual e reprodutiva [link], passando por desigualdades estruturais no acesso a outros direitos fundamentais e, pasmem, a inserção na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) da possibilidade de mulheres grávidas trabalharem em ambientes insalubres [link],o fato é que as mulheres têm se organizado cada vez mais e a celebração de um dia como o 8 de março é importante para evitar retrocessos e garantir mais igualdade categórica, especialmente em relação aos homens [link].
Também há momentos importantes para se pensar a questão da enorme e enraizada desigualdade racial no Brasil. O extermínio da juventude negra [link] os índices de educação e saúde desta população [link], além das diferenças gritantes no acesso ao mercado de trabalho [link], fazem do dia 20 de novembro – o Dia da Consciência Negra – outro momento importante para o país buscar ser uma nação igualitária e próspera.
Existem outras demandas categóricas por direitos e poderiam ser enumeradas outras datas importantes. Mas o ponto aqui é refletir sobre o dia dos pais, que será no próximo domingo. É difícil enxergar o mesmo processo de reflexão sobre o histórico de desigualdades, opressão e violência que enfrentam mulheres, pessoas negras, crianças, adolescentes e jovens que justificariam a existência de um “dia dos pais”. Os homens, principalmente brancos, não sofrem nem de perto as violações de direitos desses outros grupos, que se utilizam de dias específicos para estimular uma reflexão maior e permanente sobre as questões relatadas acima. Infelizmente, ser pai não é algo trabalhoso para os homens, que são legitimados e encorajados por grande parte da sociedade para continuarem omissos e ausentes, especialmente se comparado com as responsabilidades imputadas às mulheres. Além disso, a mudança dessa perspectiva não tem sido uma demanda concreta e explícita da maior parte dos homens.
De fato, o exercício da paternidade é uma demanda mais de outros grupos do que dos próprios homens. O cuidado com a criança é dever de todos[link], mas a omissão masculina sobrecarrega a mulher e é extremamente prejudicial para a criança [link]. A Justiça, muitas vezes, precisa ser acionada para regular o pagamento de pensão alimentícia e as visitas à criança, normalmente de uma vez a cada 15 dias caso o progenitor não reivindique uma presença maior. Isso sem contar a negligência do homem que não é separado na mãe da criança, a ponto de ter no eventual sustento financeiro o significado máximo do que é ser pai, deixando a cargo da mulher as questões emocionais, afetivas e, sobretudo, tarefas básicas do cuidado com a criança, como dar banho, acompanhar o desenvolvimento escolar e do brincar.
Ou seja, os homens não precisaram fazer absolutamente nada para terem um dia específico de valorização da paternidade. Esse cenário é tão absurdamente chocante que permite a existência de supervalorização de um homem como o Rodrigo Hilbert, cuja publicidade em torno dele o coloca como um super pai e super marido, ainda que as coisas divulgadas sejam trivialidades e muito aquém do que a grande maioria das mulheres já fazem sem praticamente reconhecimento social algum.
Minha sugestão, então, é que o segundo domingo de agosto seja um dia comum. Um dia em que a criança passe com as pessoas que já cuidam dela, que estão presentes emocionalmente e não apenas financeiramente – quando muito -, com as pessoas que conhecem ou ao menos saibam os nomes de seus melhores amigos, que entendem seus medos e estão presentes para ajudar a confortá-las. Que seja um dia que remeta ao carinho e cuidado dos outros dias do ano, em que a criança ficou doente e recebeu carinho e atenção.
Caso essas situações já sejam vivenciadas pelos homens, não foi por luta ou esforço algum para exercerem o direito de ser pai, o que resulta na não necessidade de haver “dia dos pais”. Ou ainda, se os homens não têm estado presentes efetivamente na vida dos filhos, também não precisamos de um dia dos pais. E em um país cuja criação dos filhos em suas múltiplas exigências é uma atividade majoritariamente feminina [link], a existência de um dia dos pais somente faz sentido se os homens reivindicarem essa valorização, mas sobretudo a partir de iniciativas concretas, que apenas se justificam caso as alegrias e dificuldades de se criar uma criança sejam devidamente compartilhadas com a família, especialmente com a mãe, cotidianamente.
Se todas as demais datas comemorativas citadas se justificam pelo histórico de sofrimento e desigualdade a que foram submetidos seu público demandante, um dia dos pais para a celebrar a paternidade que temos hoje no brasil, salvo poucas exceções, é uma ofensa a quem efetivamente cuida das crianças diariamente com pouco ou nenhum reconhecimento. Mas caso no calendário continue constando o “dia dos pais” nos moldes atuais, que pelo menos sirva de reflexão aos homens sobre o que é ser pai, e não como uma celebração por não fazer absolutamente nada pela criança, ser supervalorizado por fazer o básico (como fornecer o material genético) ou simplesmente pelas selfies tiradas durante a visita quinzenal (ou mensal, bimestral, semestral…) protocolar.