Metrópoles com múltiplas feições e problemas socioespaciais

Por Aldo Paviani, geógrafo, professor emérito da UnB e membro do N-Futuros/ Ceam/UnB e do Neur/Ceam/UnB, para o Correio Braziliense –

Na planta urbana das metrópoles brasileiras, é perceptível o centro mais edificado e denso e as periferias mais rarefeitas e extensas. Estas se estendem por vales, ao longo das margens de rios e encostas, galgando morros, como é o caso do Rio de Janeiro, de Salvador, de Porto Alegre e outras. A Brasília metropolitana não possui vales ou morros para moradia dos menos abonados, todavia apresenta distâncias entre cada uma das 33 Regiões Administrativas (RAs) e o centro, o Plano Piloto de Brasília. No caso das metrópoles tradicionais, surge a imagem de fragmentação e segregação socioespacial. A evolução urbana e as atividades econômicas pesquisadas resultaram em grande acervo bibliográfico em que foram avaliados os problemas urbanos e respectivas soluções para os tomadores de decisões.

Brasília é considerada a terceira metrópole brasileira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com classificação assumida pela Universidade de Brasília, pela Codeplan e por diferentes governos do Distrito Federal, há anos. Com o status metropolitano, a capital é comparável às demais grandes cidades brasileiras. Todavia, é bom lembrar a afirmação do geógrafo Milton Santos: \”Brasília é metrópole incompleta\”. É incompleta, em relação às outras metrópoles porque a capital federal é destituída de parque industrial. Por exemplo, na \”indústria da construção\”, há emprego para apenas 4,1% da população economicamente ativa (PEA). A \”indústria de transformação\” emprega 3,1% da PEA. Por isso, Brasília depende dos serviços, que ocupam 61,2% da PEA, e da função pública, 12,4% da PEA, segundo pesquisa do Dieese, Codeplan e Setrab/GDF, de julho de 2019. Com isso, não é correto considerar que Brasília seja a cidade do funcionalismo público. É uma cidade de serviços diversos.

As grandes cidades possuem gargalos e problemas crônicos. Na área da saúde, nem sempre os municípios metropolitanos possuem estrutura – física, como hospitais, UPAs, ambulâncias – ou pessoal, como médicos e enfermeiras. São insuficientes para atender demandas crescentes. Outro dado que não se divulga suficientemente é o envelhecimento da população: as pirâmides etárias, publicadas pelo IBGE, mostram o Brasil com pirâmide etária com base estreita – o que significa menor número de crianças nas faixas de 0 a 9 e de jovens de 10 a 14 anos; na idade adulta, as faixas etárias se alargam e, acima dos 80 anos, os idosos ampliam a parte superior da pirâmide. Então, com mais idosos, a tendência e ter aumento gradativo das demandas hospitalares, de medicamentos e de uso de ambulâncias. Outro problema é a expansão populacional, pois as estimativas recentes indicam que a capital superou os 3 milhões de habitantes. A pressão populacional torna crônico o problema de saúde em Brasília. Ademais, a capital atende também pacientes vindos de outros estados. As ambulâncias trazem enfermos de municípios como do sul do Piauí, do sul do Maranhão, do oeste da Bahia e do interior de Goiás. Há uso de clínicas e hospitais particulares por parte da população local e de fora. Muitas deficiências operacionais ocorrem por questões gerenciais e/ou por falta de orçamentos compatíveis com as demandas crescentes.

Devido à centralidade das atividades, a mobilidade no DF é outro nó que atravessa gerações de administradores. Em parte, porque há deficit de transporte público e porque o DF não possui trem suburbano, cujos ramais poderiam se estender para todas as cidades-satélites. Os fundadores poderiam ter implantado um metrô eficiente, uma vez que o que foi construído já é deficitário e não atende todo o DF.

Resta o transporte por ônibus. A população reclama que esse modal não atende a cidade, cuja frota e linhas são insuficientes e também porque o uso é mais intenso (e precário), nos picos da manhã, no sentido RAs-Plano Piloto. No meio das manhãs e das tardes, a mobilidade é menor e os ônibus ficam estacionados junto ao estádio Mané Garrincha. Ao fim do dia, o transporte opera no sentido Plano Piloto-RAs, não dando conta da procura dos que se dirigem às suas moradias, inclusive por parte dos moradores da periferia metropolitana.

Em resumo, propugnamos por ações de descentralização e desconcentração de atividades. Com isso, tudo o que puder ser transferido para fora do centro metropolitano poderá ser alocado nas RAs, pois elas terão maior status se forem \”relativamente autônomas em relação ao núcleo metropolitano\” (como definido pelo Instituto Panamericano de Geografia e História). Esse é o caso de Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Gama, Sobradinho e de subcentros, que começam a surgir. A mudança do perfil centralizado será o grande desafio para a Capital e para todas as metrópoles brasileiras.

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