Decadência anunciada – Quedas vexatórias em estados mais avançados e insinuações cearenses

Pedro Demo*

 

 

 

 

 

 

Analiso dados de Todos pela Educação[1] sobre “aprendizado adequado”, segundo o Ideb de 2015 (comparado com o de 1995), com o intuito de indicar preocupação gritante com decadências “anunciadas” em estados mais avançados como Distrito Federal e São Paulo (nos anos finais e ensino médio), enquanto desponta, em especial nos anos iniciais e finais, Ceará. Atenho-me apenas aos dados do Ideb, sem ter estudado cada caso em particular, razão pela qual a interpretação precisa ser tomada cumgrano salis. Pode-se, naturalmente, questionar os dados do Ideb, por várias razões, entre elas porque propendem a captar memorização e domínio de conteúdo (“proficiências”), mais que “aprendizagem” propriamente (Zhao, 2009; 2012), ou porque abrigam deficiências de aplicação (é comum o relato de que estudantes fazem a prova sem interesse ou com explícita má vontade), ou porque é manipulado na escola via “treinamentos forçados” (simulados semanais, por exemplo) ou por foco apenas nas duas disciplinas contempladas no teste etc.

Mas, em parte, é do negócio, e estatisticamente os dados tem tido acato generalizado. Este tipo de avaliação pega apenas um olhar de cima, de longe, de fora, montando grandes médias que jamais substituem avaliações na escola, corpo a corpo (Hoffmann, 2014).

Vou passar por dados referentes a anos iniciais, finais (ensino fundamental) e ensino médio, também para mostrar similitudes e disparidades, em especial entre anos iniciais, de um lado, e anos finais/ensino médio, de outro: enquanto nos anos iniciais persiste um tom de subida, em geral, nos anos finais prenuncia-se queda flagrante que se torna tragédia no ensino médio. Ao contrário do que se imagina, esta angústia não é nordestina ou nortista apenas; é de todos. Estados mais avançados estão se habituando a desempenhos inacreditáveis em termos de decadência sistemática, principalmente no ensino médio. Vamos começar pelo ensino médio. 

I. DECADÊNCIA OSTENSIVA NO ENSINO MÉDIO

 Um dos traços mais marcantes do sistema nacional de ensino é que nele “se sobe para baixo”, ou “se cai para cima”. Não é apenas mal público; é sobretudo privado. A escola privada é a mais decadente, comparativamente – em 2015, segundo o Ideb, foi a única que não atingiu a meta em nenhum caso (anos iniciais, finais e ensino médio) e no ensino médio está em queda desde 2013. O sistema privado não se dá por achado, porque continua sendo Meca dos vestibulares e concursos, mas o espírito do “cursinho” está sendo desmistificado no Ideb. Os números privados são superiores aos públicos, mas a decadência é ainda mais flagrante no sistema privado (Lubienski & Lubienski, 2013). Para se ter uma ideia deste disparate, bastaria observar que o aprendizado adequado de matemática no país (média nacional) foi de 42.9% nos anos iniciais, em 2015, desceu para 18.2% nos anos finais, e parou em 07.3% no ensino médio – valeria sugerir que matemática está em extinção! Em língua portuguesa, as cifras são em geral mais polpudas, mas indicam o mesmo precipício: o aprendizado adequado em 2015, nos anos iniciais, foi de 54.7%; no anos finais, de 33.9%; no ensino médio, de 27.5%. Andar para trás no ensino médio é a regra, como se o sistema, tendo mudado de direção sem perceber, rumasse para o abismo sem maiores pesadelos.

Na Tabela 1 observamos o aprendizado adequado em matemática no ensino médio, 1995-2015, o pior retrato educacional da educação básica no país. PISA 2015 também confirmou esta decadência, quando quase 44% dos brasileiros ficaram abaixo do último nível (Brasil no PISA 2015, 2016). O estado mais atrasado foi Maranhão com aprendizado adequado de apenas 01.5% – quase nada, indicando um sistema completamente inepto de ensino; em 1995 a cifra foi de 04.1% – já era uma miséria e que virou ainda mais miserável, já invisível. Mas o estado mais bem colocado, Distrito Federal, teve apenas 12.8% – ainda que a distância para o Maranhão tenha sido de quase 10 vezes, o resultado em si é absolutamente trágico. Esta percepção se confirma tanto mais quando compararmos com o resultado em 1995: foi de 31.5%, ou seja, perderam-se 18.7 pp no período. Foi o estado que mais decaiu, sinalizando uma política educacional ostensivamente contraproducente. Distrito Federal é visto como unidade privilegiada, tanto por conta da herança federal, quanto por deter os melhores salários (Demo, 2015). Se considerarmos que mantém uma instituição muito relevante de formação permanente docente (EAPE – http://www.eape.se.df.gov.br/), que oferece constantemente cursos e atualizações, a impressão que fica é que as formações “pioram” os professores, já que o aprendizado adequado só cai. Esta situação ilustra ainda o quanto a formação de licenciados na universidade é inepta, mesmo que não se possa fazer correlação linear (mecanicista) entre desempenho docente e discente. A miséria escolar é reflexo também da miséria universitária (Demo, 2017).

          Tabela 1 Aprendizado adequado em MATEMÁTICAensino médio, 1995-2015, Ideb (%) (ranking por 2015).

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

MA

04.1

01.5

BA

06.1

04.0

SE

19.3

05.4

RS

16.1

08.9

AP

05.2

02.6

RR

02.1

04.3

CE

11.0

06.0

SP

14.4

09.0

AC

02.7

02.7

AM

08.3

04.4

GO

15.2

06.8

RJ

07.8

09.3

PA

04.3

02.9

RO

06.5

04.6

PE

03.7

07.0

SC

06.2

09.3

AL

11.2

03.2

PB

04.3

04.8

BR

11.6

07.3

MG

13.3

09.6

TO

10.2

03.5

MT

04.3

04.9

MS

07.2

08.1

ES

03.5

12.7

RN

04.9

03.8

PI

02.0

05.2

PR

10.5

08.9

DF

31.5

12.8

         Todos pela Educação

Apesar de os resultados em 2015 serem baixíssimos, na maioria dos casos houve queda. Sergipe caiu de 19.3% em 1995, para 05.4% em 2015; Rio Grande do Sul, de 16.1% para 08.9%; São Paulo, de 14.4% para 09.0%. Na média nacional aparece esta queda: de 11.6% em 1995, para 0.73% em 2015. A rigor, uma escola na qual apenas 7% dos estudantes aprendem matemática, é uma fraude oficializada; enganam-se os jovens todo dia, a sangue frio. Tomando em conta que entre 1995 e 2015 passaram 20 anos, foram todos perdidos, tipicamente contraproducentes. Trata-se de um sistema imbecilizante frontalmente. De fato, não tomamos a sério matemática; está à deriva. Pior que isso, já “normalizamos” esta situação kafkiana, como se fosse parte da vida escolar. Aprender matemática é coisa totalmente excepcional. Normal é não aprender. A situação é catastrófica no país todo, de alto a baixo. Estados como São Paulo, o mais rico do país, teve desempenho ridículo (09.0%), desvelando que o sistema não tem a mínima condição de reagir. Mesmo assim, aposta-se no mesmo disparate, mantém-se a mesma pedagogia, sustenta-se a mesma licenciatura – as melhores universidade públicas do país parecem produzir licenciados tipicamente amadores. Como não aprenderam na faculdade, não sabem o que é aprender e não conseguem que seus estudantes aprendam. Matemática é feita de modo instrucionista, assumindo-se que o professor vai repassar conteúdos prontos, fixos, definitivos, perdendo-se o desafio de fazer do matemático um autor, cientista, pesquisador.

O estado que mais subiu no período foi Espírito Santo (foi de 03.5% para 12.7%), com resultado totalmente insatisfatório, mas fez dele o melhor protagonista brasileiro no PISA 2015. O estado ficou em segundo lugar no ranking dos estados, praticamente no mesmo lugar do Distrito Federal, mas sua evolução retrata fidedignamente o quanto estamos empacados neste sistema caduco de ensino: primeiro, em 20 anos, avançar 9.2 pp só parece proeza em face da miséria geral, mas na prática é um avanço totalmente impróprio; segundo, o resultado final ainda é de uma escola que vive de enganar seus estudantes. Não se consegue, assim, vislumbrar nenhum destaque, nenhuma expectativa mais alvissareira, nenhum lampejo que indicasse podermos visualizar alguma saída. Literalmente, nada se aproveita.

Passando para língua portuguesa (Tabela 2), as cifras engordam bastante. Se apenas 07.3% tiveram aprendizado adequado de matemática em 2015, em língua portuguesa foi de 27.5% (3 vezes mais). Mas isto não consola, porque a queda foi generalizada e bem mais acentuada. Para a média nacional, foi de 45.4% em 1995, para 27.5% em 2015 (perda de 17.9 pp no período). Alguns estados conseguiram subir, ainda que minimamente: Pernambuco foi de 22.3% para 27.7%; Goiás de 17.6% para 28.9%; Espírito Santo de 33.0% para 35.9%. E é só. Observando a parte final da Tabela, onde se alojam os estados mais avançados, começando com Minas Gerais até Distrito Federal (excetuando-se Espírito Santo que teve subida mínima), vemos quedas inacreditáveis: Distrito Federal caiu de 65.5% para 41.1% (sendo esta a melhor cifra da Tabela, totalmente insatisfatória), perdendo no período 24.4 pp; Rio de Janeiro teve perda pequena (de 48.8% para 34.3%); mas os ouros estados emplacaram cifras amplamente decadentes: Santa Catarina foi de 49.2% para 32.8% (-16.4 pp); Rio Grande do Sul foi de 57.5% para 32.4% (-25.1 pp); São Paulo foi de 57.6% para 32.3% (-25.3 pp); Paraná foi de 49.1% para 33.2% (-15.9 pp); Minas Gerais foi de 48.5% para 30.0% (-18.5 pp).

          Tabela 2 Aprendizado adequado em LÍNGUA PORTUGUESAensino médio, 1995-2015, Ideb (%) (ranking por 2015).

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

MA

19.2

15.1

PI

21.7

20.7

MT

36.4

23.7

PR

49.1

33.2

AL

35.6

15.9

CE

29.0

21.5

RO

49.0

24.2

SP

57.6

32.3

BA

30.4

17.5

AC

23.9

21.7

MS

45.4

27.5

RS

57.5

32.4

TO

26.0

17.5

PB

28.6

22.0

BR

45.4

27.5

SC

49.2

32.8

AP

37.5

18.2

RR

27.9

22.2

PE

22.3

27.7

RJ

38.8

34.4

RN

27.5

18.5

SE

44.2

23.0

GO

17.6

28.9

ES

33.0

35.9

PA

32.4

19.0

AM

36.6

23.7

MG

48.5

30.0

DF

65.5

41.1

          Todos pela Educação

Comparando-se o pior com o melhor resultado em 2015 (Maranhão, com 15.1% e Distrito Federal, com 41.1%), o hiato é menos dramático que o de matemática, mas chega a quase 3 vezes, o que sugere ser a miséria educacional patrimônio nacional, muito embora as regiões nordeste e norte concentrem os resultados piores. Por conta dessa situação, é ocioso especular se matemática vai pior que língua portuguesa; na prática, vai pior, sim, mais parecendo estar em extinção; mas se a tendência de queda em língua portuguesa se mantiver, teremos a mesma terra arrasada. As cifras de língua portuguesa ainda estão bem acima, mas é fato que aprende-se muito mal na escola. O melhor resultado no Distrito Federal não só ficou abaixo dos 50% (sequer metade aprende adequadamente), como está em queda livre (queda de 24.4 pp no período). Rio Grande do Sul e São Paulo tiveram quedas por volta de 25 pp – dois gigantes com pés de barro.

Ensino médio, segundo tais dados, constitui-se no pior retrato da educação básica, indicando decadência desenfreada, assistida impavidamente pelas autoridades. A recente reforma do ensino médio foi outro registro da inépcia das políticas públicas (Demo, 2016): focou o currículo, que, mesmo sendo problema também, nem de longe é o maior; o maior é que não se aprende nada em matemática e pessimamente em língua portuguesa. Isto tem a ver com outras dimensões da escola que não são tocadas na assim dita reforma, em especial a questão docente. Visivelmente licenciados não dão conta do recado, apesar de as escolas quase sempre oferecerem condições muito insuficientes de trabalho. Visivelmente a pedagogia vigente montada em aula, prova e repasse não funciona: a multidão que não aprende nada na escola tem aula, prova e repassesistematicamente. É só o que existe. Não funciona. Mudança escolar mais profunda implica mudança docente, porque ele é o pivô das mudanças – o mesmo professor faz a mesma escola, indefinidamente. A proposta é sinal claro de que o MEC, mesmo produzindo os dados, não sabe diagnosticar, muito menos prevenir. É preciso abandonar este sistema de ensino, porque não produz aprendizagem. A juventude perde seu tempo. Quando apenas 01.5% aprendeu matemática, significa que a escola, dando aula, prova e repasse, pratica infernal progressão automática – os estudantes caem para cima, e chegam ao fim do ensino médio ainda bastante analfabetos, pelo menos em matemática. Vão enfrentar a vida sem matemática!

Seria de esperar que estados mais avançados, como São Paulo e Distrito Federal, produzissem resultados destacados, também porque possuem instituições universitárias renomadas (sobretudo São Paulo). A decadência escolar reflete a mesma decadência universitária: são instituições improdutivas e mesmo contraproducentes, no que tange “ensino”. A elite universitária (mestres e doutores), em sua formação, usa basicamente pesquisa, porque a proposta é produzir um autor, cientista, pesquisador. Mas isto não vale para a graduação, em especial para licenciatura. Chegam à escola licenciados que não são autores de nada, não sabem pesquisar, não são cientistas profissionais – são amadores, tipicamente. Colhemos o que plantamos: quem não aprende, vai ensinar!

Ao lado da decadência estapafúrdia do Distrito Federal em língua portuguesa, mas principalmente em matemática, chamam a atenção negativamente São Paulo e Rio Grande do Sul. São Paulo, além de ser o estado mais rico e avançado, possui as melhores universidades públicas do país, mas, nem de longe, a melhor educação. Ultimamente notabilizou-se por suas escolas invadidas, bem como por propostas de inépcia ostensiva como a aposta em “ciclos”, como se tal perfumaria tivesse esta efetividade. Primeiro, não se faz diagnóstico minimamente técnico e honesto, para saber que a desgraça mais comprometedora não é organização curricular, mas falta lancinante de aprendizagem. O ensino médio paulista “não existe”, porque literalmente está sumindo. Por ironia, a política educacional atual é conduzida, tecnicamente, por paulistas, que replicam no nível nacional a mesma inoperância: ao reformar o ensino médio, consideram acertos curriculares como peça chave, quando é adjetivo típico. Por falta de diagnóstico mínimo, não se mexe em professor, sobretudo não se mexe em sua formação universitária, mantém-se o mesmo cardápio anêmico de sempre (aula, prova e repasse) que tem afundado o sistema. Quanto a Rio Grande do Sul, estranha sua decadência, porque já teve dias bem melhores. Bastaria  lembrar a atuação de Grossi (e o instituto educacional renomado GEEMPA[2] (Grossi, 2004. Geempa, 2006), em termos de alfabetização (matemática destacadamente), um esforço aparentemente perdido. Hoje é o estado mais problemático dos três sulistas, sugerindo decadência imparável.

Podemos alegar algo similar para Minas Gerais, estado por vezes citado como exemplar no cenário educacional nacional, mas cuja performance não aparece nos dados do ensino médio. Em língua portuguesa ficou apenas em 8o lugar (somente 30.0% tiveram aprendizado adequado em 2015) e o resultado de matemática – 09.6% (embora no 3o lugar na Tabela) – dispensa comentários. Em ambos os casos, o estado está andando para trás. Teria o estado “perdido a mão” em educação? Assim parece.

II. ANOS FINAIS: COMEÇO DA DECADÊNCIA

Anos finais são parte do ensino fundamental, mas já abrigam mazelas próprias do ensino médio, em parte porque é conduzido pelo licenciado (anos iniciais, pelo pedagogo, em geral). Aí começa a decadência, extremamente visível nos dados, em especial em matemática (Tabela 3). Na média nacional, o aprendizado adequado em 1995 foi de 16.8% e de 18.2% em 2015 – uma situação tipicamente estagnada, indicando que não se tem condição de mudar o cenário. A situação mais deprimida achou-se no Amapá, com 06.2% de aprendizado adequado em 2015, e a melhor em Santa Catarina, com 28.7%; as duas, porém, embora distanciadas por 22.5 pp, eram uma ignomínia; a situação não era tão catastrófica quanto no ensino médio, mas o imbróglio já aparecia em seus contornos claros: não existiu desempenho minimamente satisfatório em nenhum estado. Ademais, três estados “poderosos” tiveram queda: Rio Grande do Sul passou de 21.6% em 1999, para 17.8% em 2015; Distrito Federal, de 28.0% para 22.6%; São Paulo, de 23.1% para 22.7%. As quedas foram relativamente pequenas, indicando talvez mais estagnação com alguma decadência (como Rio de Janeiro, de 19.7% para 20.8%), mas é particularmente vexatório para os estados em questão, ao indicarem frontal incapacidade de lidar com o desafio.

          Tabela 3 Aprendizado adequado em MATEMÁTICAanos finais, 1995-2015, Ideb (%) (ranking por 2015)

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

AP

03.8

06.2

PB

09.8

12.5

RO

06.3

15.5

MS

08.0

21.9

PA

06.1

07.9

SE

09.3

12.9

PI

03.2

16.7

GO

14.2

22.6

MA

04.1

08.0

AM

05.7

13.3

RS

21.6

17.8

DF

28.0

22.6

RR

05.8

08.9

PE

10.7

13.9

BR

16.8

18.2

SP

23.1

22.7

AL

05.9

10.2

RN

13.4

14.0

CE

11.2

20.0

ES

12.5

22.8

AC

01.1

12.0

MT

08.6

14.2

PR

17.8

20.4

MG

22.9

24.3

BA

06.7

12.2

TO

03.5

14.3

RJ

19.7

20.8

SC

10.9

28.7

         Todos pela Educação

Houve alguns avanços mais incisivos, em especial no Espírito Santo (passou de 12.5% em 1995, para 22.8% em 2015, quase o dobro), mas o resultado foi ainda extremamente impróprio. Chama talvez mais atenção Ceará, porque já aparece acima da média nacional e antes de Rio Grande do Sul – deixando a órbita nordestina e infiltrando-se no patamar de regiões mais avançadas: foi de 11.2% em 1995, para 20.0% em 2015 (também quase o dobro). Nota-se também que alguns estados parecem reagir, embora os resultados sejam ainda extremamente insatisfatórios: Acre foi de 01.1% para 12.%; Tocantins foi de 03.5% para 14.3%; Piauí foi de 03.2% para 16.7%; Mato Grosso do Sul foi de 08.0% para 21.9%; Goiás foi de 14.2% para 22.6% – por sinal, este resultado foi o mesmo do Distrito Federal! Esta condição poderia nos alertar para um fato talvez inesperado: gestões municipais, em geral tão criticadas – para Buarque há que “federalizar” a educação básica (Buarque, S.d.) – parecem mais capazes de entender e enfrentar o desafio, muito embora não tenhamos colhido praticamente nada até então. A gestão estadual parece a mais incapaz, ao lado da incapacidade da universidade de produzir docentes profissionais (capazes de resolver os problemas da escola, apesar de tudo).

 Em especial a partir dos anos finais, matemática surge como bicho-papão escolar – empurra-se com a barriga, via aula, prova e repasse, sem conseguir abordar a questão profissionalmente. O professor de matemática só sabe “dar aula”, até porque colocaram em sua cabeça que matemática é conteúdo completo, já feito; cumpre “repassar”; só faz isso. Por não ter sido formado como autor, cientista, pesquisador, mantém-se “papagaio” de matemática e leva esta cruzada invertida para a escola. O resultado é catastrófico, ainda que o docente não possa ser “crucificado”. Foi também “vítima de aula”, sem falar que, em geral, encontra na escola condições kafkianas de trabalho. Aprendizagem acontece na mente do estudante, não na aula do professor (é mediador) – estudante pode não aprender por muitas outras razões (Ravitch, 2013).

Passando para língua portuguesa, na média nacional aparece queda: o aprendizado adequado em 1995 foi de 37.5% e em 2015, de 33.9%, sugerindo, de novo, que o país não se ajeita em termos de aprendizagem, embora insista em aula, prova e repasse. As cifras são mais elevadas, como sempre, mas ainda muito insatisfatórias. O melhor desempenho em 2015 surgiu, de novo, em Santa Catarina, com 46.4% (foi de 34.2% em 1995) – objetivamente observando, sequer metade aprendeu bem, ou seja, muitíssimo longe de qualquer meta aceitável. O pior desempenho apareceu, de novo, no Amapá, com 19.0% (fora de 16.8% em 1995), e dispensa comentário em termos de inépcia. “Para variar” alguns estados fortes mostravam quedas marcantes: Rio Grande do Sul foi de 45.8% em 1995, para 36.0% em 2015; Rio de Janeiro, de 43.7%, para 38.3%; São Paulo, de 47.8%, para 39.6%; Distrito Federal, de 49.1%, para 40.8%; Minas Gerais, de 46.8%, para 40.9%; Paraná, de 37.5%, para 36.0%!

Ocorreram, porém, alguns eventos mais positivos, começando pela posição de Mato Grosso do Sul (2o lugar na Tabela), com 42.0% – embora tenha sido cifra muito insuficiente e tenha avançado muito pouco (teve 33.6% em 1999), na miséria geral, teve relevo. Ceará volta a se destacar: estava além da média nacional e antes de Rio Grande do Sul (passou de 25.4%, para 37.6%), indicando que existiria nos municípios alguma política educacional mais efetiva e perceptível (organizada). Mato Grosso, porém, caiu um pouco (de 30.9%, para 28.2%), ficando no 10o lugar. Já Goiás (também do centro-oeste) foi de 35.4%, para 40.8%, ocupando a 5a melhor posição na Tabela, com a mesma cifra do Distrito Federal. Isto chama muito a atenção: em termos históricos e socioeconômicos, Distrito Federal sempre foi unidade privilegiada, mas tem o mesmo desempenho educacional de Goiás nos anos finais. Um vexame para o Distrito Federal.

          Tabela 4 Aprendizado adequado em LÍNGUA PORTUGUESAanos finais, 1995-2015, Ideb (%) (ranking por 2015).

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

AP

16.8

19.0

TO

16.9

27.0

AM

20.3

30.8

ES

31.0

38.4

MA

15.9

21.1

AC

15.0

28.2

RO

20.5

33.7

SP

47.8

39.6

AL

17.0

21.8

MT

30.9

28.2

BR

37.5

33.9

GO

35.4

40.8

RR

25.5

22.5

RN

32.2

28.3

PR

37.5

36.0

DF

49.1

40.8

PA

29.3

23.6

PE

23.2

28.4

RS

45.8

36.0

MG

46.8

40.9

PB

24.9

26.4

SE

23.9

29.0

CE

25.4

37.6

MS

33.6

42.0

BA

22.2

26.5

PI

16.4

29.6

RJ

43.7

38.3

SC

34.2

46.4

         Todos pela Educação

Embora as cifras para língua portuguesa estejam acima das de matemática, o tom geral de estagnação/inépcia não muda, sugerindo que a atual política educacional (ou “sistema de ensino”) está na contramão. Alguns poucos estados mostram certa capacidade de reação, ainda que os resultados tenham sido muito impróprios; já falamos de Mato Grosso do Sul e Goiás, mas cabem nessa categoria outros como: Piauí (foi de 16.4%, para 29.6%); Amazonas (foi de 20.3%, para 30.8%); Rondônia (foi de 20.5%, para 33.7%); Tocantins (foi de 16.9%, para 27.0%); Acre (foi de 15.0%, para 28.2%). Vamos valorizar este esforço, apesar dos resultados insatisfatórios. Mas, o mais marcante é inépcia de estados mais avançados, em queda, desvelando que políticas educacionais nem sempre se correlacionam com a capacidade socioeconômica. Provavelmente, questões de “política educacional” interferem pesadamente nos resultados incongruentes.

Esta situação nos leva a retomar a questão docente – o licenciado em matemática e língua portuguesa, flagrantemente, não corresponde ao que se espera na escola. Enquanto dá aula, prova e repasse, ignora que aprendizagem é apenas excepcional, eventual, peregrina. A grande maioria dos estudantes perde seu tempo na escola, literalmente. O maior disparate, entre tantos, não é desacerto curricular (que sempre pode existir), é que a escola não existe para estudante aprender; existe para professor dar aula. Os resultados totalmente indignos são próprios deste sistema de ensino caduco, desatualizado, contraproducente – à revelia da montanha de aula, prova e repasse, muito poucos aprendem. Não seria hora de mudar, em especial quando se vê que os estados mais potentes se afundam?

Ao mesmo tempo, não se pode mais ignorar a importância da qualidade docente na escola, embora não seja referência única, jamais. A valorização docente é imprescindível para qualquer mudança mais profunda em educação, tal qual fez a Finlândia. Cuidou de introduzir a obrigatoriedade de mestrado, porque mestres são pesquisadores, autores. Promoveu docência como uma das profissões mais respeitadas/decantadas no país, com procura elevada nos cursos acadêmicos. E extinguiu a supervisão escolar, apostando na autonomia docente (Sahlberg, 2010. Ripley, 2013). Se professor não é aprendiz profissional, fica só com aula, prova e repasse, atividades próprias da falta de autoria na vida. Não sabendo aprender, não consegue que seus estudantes aprendam. No entanto, não cai em si. Continua dando aula, prova e repasse todo dia, mesmo que os dados desvelem, veementemente, que é proposta contraproducente, decadente, imbecil. É preciso chamar a universidade às falas, não porque deva ser “culpada” (culpa não é categoria analítica), mas porque precisamos reinventar, por completo, as licenciaturas. Os professores precisam encarar nos cursos os problemas reais mais cabeludos da escola – como progressão automática generalizada, estudantes ainda “analfabetos” prestes a concluir o ensino médio, alunos encalhados há anos, caindo para cima, ambientes impróprios de trabalho, evasões e reprovações etc. É fundamental já ter enfrentado isso, com propostas próprias comprovadas de atuação. Isto pede que estágio seja montado com extremo cuidado, talvez já desde o 2o semestre, fazendo o curso girar em torno da “teorização das práticas escolares”, visando a solucionar o imbróglio da aprendizagem escolar. Ao final, o licenciado deve ser autor, cientista, pesquisador, não papagaio de conteúdos que nunca produziu.

III. CHARME DOS ANOS INICIAIS

Anos iniciais parecem outro mundo, mesmo sendo parte do ensino fundamental. Até matemática reluz, à revelia da pecha comum de que pedagogo é fugitivo de matemática. A matemática dele é a única que “funciona” na escola. O matemático não está satisfeito e reclama muito do estudante quando chega a suas mãos no 6o ano – o que certamente aponta para problemas, em grande parte próprios de uma matemática do senso comum, aquela que todo mundo usa e não precisa ir para a escola para usar. Não é o caso encobrir falhas, mas os dados são favoráveis ao pedagogo, ainda que, em termos de “alfabetização”, seu desempenho também deixe muito a desejar (Demo, 2015a). A Tabela 5 indica, na média nacional, que o aprendizado adequado em matemática foi de 19.0% em 1995, para 42.9% em 2015 – podemos reclamar do resultado, porque é muito pequeno ainda, ridículo mesmo, mas andou 23.9 pp no período – no fundo, apenas mais ou menos 1 pp por ano, uma miséria, objetivamente falando. Mas indica subida, um consolo que não vimos antes.

O melhor resultado apareceu no Paraná, com 59.9% em 2015, junto com São Paulo (59.3%) e Santa Catarina (59.0%). Veremos logo em língua portuguesa que os melhores estados são os mesmos três, apenas mudando a posição (Santa Catarina, com 69.3%; Paraná, com 68.3%; São Paulo, com 67.9%). O sul é a região mais avançada no ensino fundamental, já indicando que a gestão municipal pareceria mais efetiva, ao contrário de teses recorrentes de incapacidade municipal; esta incapacidade é bem visível na gestão estadual, bem como na formação docente universitária. A cifra catarinense de matemática ainda era muito baixa – sequer dois terços dos estudantes aprenderam bem, indicando que também nos anos iniciais estamos cercados de problemas de aprendizagem, mesmo que aula, prova e repasse abundem.

           Tabela 5 Aprendizado adequado em MATEMÁTICAanos iniciais, 1995-2015, Ideb (%) (ranking por 2015).

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

MA

08.1

19.0

SE

15.4

28.7

RO

10.1

40.5

ES

12.6

47.8

TO

07.9

19.0

BA

10.7

29.3

MT

13.5

40.5

RS

17.2

48.4

AC

06.8

19.1

PB

14.6

30.0

BR

19.0

42.9

DF

20.4

52.1

AP

06.0

19.1

PI

22.9

31.1

CE

12.1

44.0

MG

32.7

56.1

PA

05.9

22.1

PE

15.6

33.3

MS

21.4

44.2

SC

23.5

59.0

AL

10.0

26.3

RR

08.0

35.0

RJ

22.0

44.5

SP

25.7

59.3

RN

05.3

28.0

AM

08.4

35.1

GO

23.4

44.7

PR

26.6

59.9

           Todos pela Educação

O que mais chama a atenção é o tom de subida generalizada, que aparece, naturalmente, na média citada. Paraná avançou no período 33.3 pp – não é uma colheita satisfatória, mas houve progresso. São Paulo avançou no período 33.6 pp (de 25.7%, para 59.3%) – pela pujança do estado, esperaríamos muito mais, mas é bem melhor este panorama no estado do que nos anos finais e sobretudo no ensino médio. Santa Catarina avançou no período 35.5 pp (o maior avanço relativo, de 23.5%, para 59.0%). Distrito Federal, em geral marcado por decadência melancólica, avançou no período 31.7 pp. Tínhamos nas regiões mais pobres desempenhos extremamente insuficientes, como sempre. O prior achou-se no Maranhão, com 19.0% (igual em Tocantins, e quase igual em Acre e Amapá), sugerindo que o problema não está sendo equacionado de maneira aceitável, ainda que exista sempre algum avanço no período. Roraima avançou 27 pp (de 08.0%, para 35.0%); Amazonas avançou 26.7 pp (de 08.4%, para 35.1%) – alguma política municipal mais efetiva há de haver. Ceará se destacou, estando acima da média nacional (foi de 12.1%, para 44.0%).

Este êxito relativo tem como protagonista o pedagogo e logo em matemática. Parece algo sui generis, inesperado. Não temos maiores explicações, mas em geral se considera que pedagogia, por ser o curso voltado para “aprendizagem”, finalmente sabe melhor o que fazer na escola, entendendo que apenas aula, prova e repasse são contraproducentes. O pedagogo parece mais atento e solícito com o estudante, assumindo que precisa resolver sua aprendizagem, não só repassar conteúdo. Pedagogo, porém, não é intrinsecamente diferente do licenciado, porque sai do mesmo ventre. Em língua portuguesa (Tabela 6) os resultados foram ainda mais elevados, com algumas cifras interessantes. O melhor estado foi Santa Catarina, com 69.3% de aprendizado adequado em 2015 (avançou no período 20.3 pp, partindo de 49.0% em 1995); não é grande coisa este avanço, mas o resultado já era interessante: mais de dois terços dos alunos haviam aprendido adequadamente. Mesmo contando com questionamentos sempre atinentes em torno desta “aprendizagem”, como vimos acima, trata-se de cifra relevante.

           Tabela 6 Aprendizado adequado em LÍNGUA PORTUGUESAanos iniciais, 1995-2015, Ideb (%) (ranking por 2015).

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

 

1995

2015

AP

24.5

33.2

PB

35.3

43.3

RO

26.7

54.4

ES

33.0

60.7

MA

27.3

33.8

TO

29.2

44.6

BR

39.3

54.7

CE

34.5

61.0

PA

30.7

37.0

PI

39.5

44.6

AC

24.0

56.1

MG

53.6

66.4

AL

33.4

38.8

RR

31.0

45.3

MS

45.0

59.3

DF

53.9

66.6

SE

38.9

40.3

PE

33.0

46.7

RJ

43.7

59.4

SP

46.5

67.9

RN

29.3

41.7

AM

29.9

50.5

RS

39.8

59.4

PR

52.4

68.3

BA

39.5

42.8

MT

28.8

53.8

GO

45.8

60.4

SC

49.0

69.3

           Todos pela Educação

O estado mais atrás foi Amapá, com 33.2% de aprendizado adequado em 2015, com avanço de menos de 10 pp no período, sugerindo encalhe gritante. Maranhão teve 33.8%, avanço de 6.5 pp no período, algo miserável; Pará teve 37.0%, com avanço de 6.3 pp no período, muitíssimo pouco para o estado mais intelectualmente destacado do norte. O avanço generalizado em língua portuguesa não é tão incisivo quanto o de matemática, também porque o início era mais elevado. Pode chamar a atenção Acre: estava já acima da média nacional, e avançou no período 32.1 pp (de 24.0%, para 56.1%), indicando haver gestão municipal mais efetiva. E Ceará, ocupando o 6o lugar na Tabela, é a revelação do momento: 61.0% (em 1995 foi de 34.5%, avanço de 26.5%, nem tão vistoso, comparativamente), encostado em Minas Gerais, à frente de Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, bastante acima da média nacional. Parecia estar já disputando com sul e sudeste.

Precisaríamos estudar melhor os anos iniciais, tanto para não promovermos euforias vazias, quanto para não ignorar avanços reais. Como alfabetização ainda “é um drama” (Demo, 2015a), cautela é recomendada, em especial porque o sistema de ensino continua o mesmo, instrucionista até aos ossos, contraproducente. Isto levaria a pensar que progressão automática, tomando conta do percurso desde a alfabetização (em até três anos, facilmente perdidos), deixa anos iniciais um tanto despreocupados com progressão continuada (que consta na LDB): direito de avançar aprendendo adequadamente. Esta queixa é veemente no professor de matemática, que, como regra, considera o aluno totalmente despreparado para o 6o ano, embora os dados indiquem desempenhos relativamente perceptíveis. A razão dos resultados maiores talvez se possa creditar, em parte, a provas facilitadas do Ideb: puxam para baixo, não para cima! Quando não se consegue mudar a realidade, sobrevém a tentação de mudar os dados!

IV. CEARÁ E PARÁ

Para circunstanciar esta discussão mais concretamente, vamos observar mais de perto dois estados, um nordestino, outro nortista, Ceará e Pará. Enquanto o primeiro estaria inventando alguma coisa diferente, o segundo é a imagem do atraso.

A Tabela 7 mostra os 10 melhores municípios no Ideb 2015; os três primeiros são cearenses, com Idebs de encher os olhos (Demo, 2017a). Sobral se destacou altaneiro, também porque tem população acima de 200 mil.

           Tabela 7 Dez melhores municípios no Ideb 2015, rede pública, anos iniciais.

Posição

Município

Estado

População

Ideb 2015

1

Sobral

CE

203.682

8.8

2

Pires Ferreira

CE

10.216

8.7

3

Deputado Irapuan Pinheiro

CE

9.094

8.2

4

Atalaia

PR

3.913

8.1

Brejo Santo

MG

47.645

8.1

Serranópolis do Iguaçu

PR

4.568

8.1

7

Arapuá

MG

2.772

8.0

Dumont

SP

9.028

8.0

9

São José da Barra

MG

6.778

7.9

Tupi Paulista

SP

14.262

7.9

           Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_munic%C3%ADpios_do_Brasil_por_IDEB

           Em termos de aprendizado adequado, o cotejo indica (Tabela 8):

            Tabela 8 Aprendizado adequado em Ceará e Pará (%).

Pará X Ceará

Anos Iniciais

Anos Finais

Ensino Médio

1995

2015

1995

2015

1995

2015

Pará – Matemática

05.9

22.1

06.1

07.9

04.3

02.9

Ceará – Matemática

12.1

44.0

11.2

20.0

11.0

06.0

Pará – Língua Port.

30.7

37.0

29.3

23.6

32.4

19.0

Ceará – Língua Port.

34.5

61.0

25.4

37.6

29.0

21.5

          Todos pela Educação

Pará é estado problemático em todos os sentidos e sempre. Nos anos iniciais em matemática, o aprendizado adequado em 1995 foi de 05.9%, elevando-se a 22.1% em 2015 – embora tivesse avançado 16.2 pp, o resultado era o 5o pior do país e o 3o pior do norte. Considerando que se trata do estado mais tradicional da região, com destaque cultural e intelectual (perdeu a liderança econômica para o Amazonas), este desempenho é inacreditável. Ceará, por sua vez, passou de 12.1% em 1995, para 44.0% em 2015, com avanço de 31.9 pp, ocupando já o 11o no cenário nacional, acima da média nacional, encostando em Rio de Janeiro. Em língua portuguesa, Pará foi, nos anos iniciais, de 30.7% em 1995, para 37.0% em 2015, avançando apenas 6.3 pp, ocupando o 3o pior posto no país, à frente apenas do Amapá (33.2%, o pior resultado da Tabela) e Maranhão (33.8%). Ceará, obteve 61.0% de aprendizado adequado em 2015 (foi de 34.5% em 1995), com avanço de 26.5 pp no período, ocupando já a 6a posição no ranking nacional, bem à frente da média nacional, encostando em Minas Gerais. Dava a impressão de que saíra do circuito nordestino definitivamente. O desempenho em língua portuguesa no Pará foi quase duas vezes menor.

Nos anos finais, Pará, em matemática, foi de 06.1% em 1995, para 07.9% em 2015, um vexame sem nome, no 2o pior lugar nacional. Ceará partiu de 11.2% em 1995, chegando a 20.0% em 2015, no 10o lugar nacional. Em termos objetivos, nada a comemorar, porque a cifra é absurda, mas, comparando-se com Pará, parecem dois mundos antípodas. Em língua portuguesa, Pará “conseguiu” regredir: foi de 29.3% em 1995, para 23.6% em 2015, ficando na 5a pior posição no ranking. Ceará subiu de 25.4% em 1995, para 37.6% em 2015 (quase 12 pp), ocupando a 9a posição nacional, algo à frente da média nacional, à frente do Rio Grande do Sul, encostado em Rio de Janeiro. O desempenho do Ceará era ainda muito insuficiente, mas estava 14 pp de percentagem à frente do Pará.

No entanto, no ensino médio fica patente que os dois estados fazem parte do mesmo país: são decadentes também, Pará um pouco mais. Assim, em matemática, Pará fez a “proeza” inacreditável de passar de 04.3% em 1995, para 02.9% em 2015, ocupando a 4a pior posição nacional, dando a entender que matemática vai desaparecendo! Ceará, por sua vez, também regrediu, de 11.0% em 1995, para 06.0% em 2015, também um vexame sem nome; era menos azedo que o paraense, mas da mesma laia. Em língua portuguesa, Pará caiu 13.4 pp (de 32.4%, para 19.0%), ficando na 7a pior posição nacional. Ceará também caiu, um pouco menos (7.5 pp – de 29.0%, para 21.5%), amargando a 9a pior posição nacional (apenas duas posições à frente do Pará – quem diria!). Ceará estava 10 pp à frente, mas, convenhamos, foi um desempenho dantesco em ambos os casos. No ensino médio, Ceará volta ao nordeste!

Os dados poderiam, então, sugerir que gestões municipais pareceriam mais efetivas, em face da gestão estadual. Esta sai totalmente desqualificada, enquanto a outra indicaria algum acerto. O caso do Ceará parece o mais sonoro. Esta situação não pode obscurecer que grande parte dos municípios não tem mínima condição de gerir educação pública, até porque é ficção política, invencionice administrativa e bandalheira corrompida. No entanto, como alguns municípios parecem tocar uma política educacional bem diferente (caso de Sobral é o mais notável), pode-se imaginar que seria mais ajuizado cuidar dos municípios incapazes (esta é a função de qualquer avaliação – diagnóstica e preventiva), como talvez esteja fazendo Undime. Já Consed parece encalhado no tempo. Ceará chama tanto mais atenção, porque esclarece duas coisas fundamentais: sendo nordestino, no ensino fundamental (anos iniciais, menos nos anos finais), tem desempenho de estados do sul e sudeste; mas no ensino médio, retoma a modorra nordestina, voltando a ser péssimo também. Pareceria visível que a gestão estadual é totalmente inepta.

A muitos vai ocorrer que, possivelmente, os resultados cearenses são duvidosos, para dizer o mínimo. Pode-se elevar o Ideb de maneira fraudulenta, facilmente. A mais comum é “treinar” o Ideb, forçando “simulados” semanais, para fixar conteúdos, como é praxe na escola privada. Esta, porém, teve os priores desempenhos no Ideb, em especial no ensino médio, relativamente falando (as cifras ainda são mais elevadas do que na rede pública). É constante o relato de que os estudantes fazem a prova a contragosto, por vezes deliberadamente, porque “seriam contra” (seus professores, principalmente). Alega-se, porém, que Ceará estaria cuidando melhor dos professores, o que daria alguma densidade mais confiável aos dados. Os resultados no ensino fundamental são realmente estrondosos e esperamos que sejam autênticos.

CONCLUSÃO

Quando observamos que nossos estados mais desenvolvidos estão em decadência vertiginosa em educação (em particular no ensino médio, mas também nos anos finais), como São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, nos perguntamos pelo que poderia ainda faltar para chegarmos à conclusão de que estamos cultivando um sistema suicida, contraproducente, injusto e perdulário. O exemplo do Distrito Federal impressiona pela decadência sistemática e gritante, em queda livre, logo onde poderíamos esperar coisa bem melhor, por causa da herança federal e dos melhores salários do país. Mas o caso de São Paulo talvez seja ainda mais sintomático, porque, apesar da derrocada devastadora, não perde a pose, tanto quanto a universidade é incapaz de mínima autocrítica para rever sua licenciatura e pedagogia. O licenciado e pedagogo da USP são, ao final, tão ineptos quanto os de uma faculdade particular na esquina do mundo, com curso noturno, amador e onde todos entram e passam. O mais incrível é que os donos desse desastre conduzem a política educacional nacional, mesmo depois de ter sido frontalmente questionado com a ocupação das escolas.

A Tabela 9 resume a performance do Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Enquanto nos anos iniciais, esses estados avançaram no período, aparecendo em língua portuguesa cifras interessantes, as coisas vão mudando daí para frente. Em matemática nos anos finais, só Minas Gerais não caiu, embora tenha avançado, em 20 anos, 1.4 pp – uma proeza dantesca! Em língua portuguesa, todos caíram, indicando proposta contraproducente ostensiva. No ensino médio, a situação piora ainda mais. Em matemática os resultados para 2015 foram, como costuma dizer o atual Ministro (Mendonça Filho), “trágicos” – o melhor do país foi de 12.8% no Distrito Federal! São Paulo desceu para 09.0%! Em língua portuguesa, o melhor resultado, no Distrito Federal, foi de 41.1%, também kafkiano; todos os estados caíram, indicando que, no andar desta carruagem, matemática será extinta e língua portuguesa, a “última flor do Lácio”, estraçalhada.

           Tabela 9 Aprendizado adequado em estados avançados (%).

Estados

Anos Iniciais

Anos Finais

Ensino Médio

1995

2015

1995

2015

1995

2015

DF – Matemática

20.4

52.1

28.0

22.6

31.5

12.8

SP – Matemática

25.7

59.3

23.1

22.7

14.4

09.0

RS – Matemática

17.2

48.4

21.6

17.8

16.1

08.9

MG – Matemática

32.7

56.1

22.9

24.3

13.3

09.6

DF – Língua Port.

53.9

66.6

49.1

40.8

65.5

41.1

SP – Língua Port.

46.5

67.9

47.8

39.6

57.6

32.3

RS – Língua Port.

39.8

59.4

45.8

36.0

57.5

32.4

MG – Língua Port.

53.6

66.4

46.8

40.9

48.5

30.0

           Todos pela Educação.

De que precisamos mais para entender que este sistema faliu? Esta situação recorda duas situações limite históricas bem conhecidas. Uma é da orquestra do Titanic – sabendo que ia afundar, o maestro manda tocar com tanto maior furor, certamente para distrair-se. A atual reforma do ensino médio é bem esta orquestra. Outra é dos japoneses na Segunda Guerra – sem curvar-se ao fato de que não teriam chance de vitória, fizeram guerra suicida, até vir a bomba atômica. Não deveria assim ser que, em educação, precisamos de uma bomba atômica para entender que já falecemos! Temos dados de sobra para diagnosticar a marca contraproducente deste sistema de ensino, também na universidade, onde a elite se forma como pesquisadora, cientista, autora, e os graduados como papagaios oficializados. Fica recado incisivo: na miséria geral, a gestão municipal é extremamente superior à estadual. Educação interessante ocorre em municípios, alguns com grande destaque, enquanto é soterrada nos estados.

Soluções não devem ser mirabolantes, pois a temos debaixo do nariz. Entre as coisas que a universidade faz bem (também há críticas, naturalmente) é a formação de sua elite docente, via mestrado e doutorado, onde o mote central é pesquisa, autoria científica, produção própria avaliada e sempre reconstruída. Não precisamos de “ismos” e outros modismos; precisamos de autores, cientistas, pesquisadores. Quem sabe aprender, pode contribuir para que outros aprendam. Quem só dá aula, nunca aprendeu, mas quer ensinar. Esta insanidade é cultivada a ferro e fogo numa instituição que forma sua elite por outro percurso totalmente diverso, como se a ela coubesse o céu, e à turba o inferno.

Os dados indicam o quanto é perda de tempo fazer ensino médio no país, em especial matemática. Quem só dá aula, é especialista em fazer estudante perder seu tempo. Perder tempo é a carga curricular propriamente dita na escola. Mas o país tem-se mostrado perfeitamente capaz de curtir esta loucura; por exemplo, aumentamos o ensino fundamental para 9 anos, e ninguém sabe para que isto serviu; ao contrário, foi contraproducente – basta ver os dados dos anos finais. Nossa especialidade é andar para trás…


REFERÊNCIAS

BRASIL NO PISA 2015 – Análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros. 2016. Fundação Santillana. Inep. Brasília. http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_completo_final_baixa.pdf

BUARQUE, C. S.d. Educação integral de qualidade para todos os brasileiros – https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/15b0d4445d27f698?projector=1

DEMO, P. 2015. Professor eterno aprendiz. Alphabeto, Ribeirão Preto.

DEMO, P. 2015a. Alfabetização é um drama – https://docs.google.com/document/d/1OwjP2E46MS4kIaxQXn4zMVIXWf0qZInZ5T-oipTiMTo/pub

DEMO, P. 2016. Novo Ensino Médio – https://docs.google.com/document/d/1-XcUu3YmEhksW6MUkbJJNVRSBta4OhxQE2g7s4zX_xA/pub

DEMO, P. 2017.  Questionando a Graduação – https://docs.google.com/document/d/1y-OhRkIY-Lb_Y2P-0eVntZZQBY79MbPY4fSdA8TSol4/pub

DEMO, P. 2017a. Sobral está sobrando! O que Sobral tem que outros não têm? – https://docs.google.com/document/d/1LmTbbbQMUuU49L-a8Wlei-TdwcttStuQ4UboW2SMIlY/pub

GEEMPA. 2006. Alfabetizar é Questão de Competência. Geempa, Porto Alegre.

GROSSI, E. P. 2004. Por aqui ainda há quem não aprende? Paz e Terra, Rio de Janeiro.

HOFFMANN, J. 2014. Avaliação Mediadora. Mediação, Porto Alegre.

LUBIENSKI, C.A. & LUBIENSKI, S.T. 2013. The Public School Advantage: Why Public Schools Outperform Private Schools. University of Chicago Press, Chicago.

RAVITCH, D. 2013. Reign of Error: The Hoax of the Privatization Movement and the Danger to America\’s Public Schools. Knopf, N.Y. 

RIPELY, A. 2013. The Smartest Kids in the World: And How They Got That Way. Simon & Schuster, N.Y.

SAHLBERG, P. 2010. Finnish Lessons – What can the world learn from educational change in Finland? Teachers College, N.Y.

ZHAO, Y. 2009. Catching up or Leading the way. Association for Supervision & Curriculum Development, Chicago.

ZHAO, Y. 2012. World class learners: Educating creative and entrepreneurial students. Corwin, N.Y.


[1]http://www.todospelaeducacao.org.br/indicadores-da-educacao/5-metas?task=indicador_educacao&id_indicador=15#filtros

[2]http://www.educaedu-brasil.com/centros/geempa–grupo-de-estudos-sobre-educacao-metologia-de-pesquisa-e-acao-uni3227

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