Isaac Roitman*
Artigo publicado no Correio Braziliense
Um dos significados da palavra decadência se refere à condição ou ao estado daquilo que está se deteriorando ou tende a se extinguir. Revisitando a história da humanidade, constatamos que muitas civilizações e países sofreram processos de decadência irreversíveis. No Brasil, vivenciamos um processo de decadência social, política, econômica, moral e ética. A desigualdade social e a pobreza são problemas sociais que afetam a maioria dos países na atualidade. A pobreza existe em todos os países, pobres ou ricos, mas a desigualdade social é um fenômeno que ocorre principalmente em países não desenvolvidos. No Brasil, a desigualdade social tem sido cartão de visita para o mundo, pois é um dos países mais desiguais do planeta. O cenário atual é digno de um filme de terror, com insegurança dentro dos presídios e fora dele, com uma legião de desempregados e com a falta de perspectivas entre nossos jovens.
O Brasil enfrenta uma das piores crises políticas de sua história. Que saudades de políticos que deixaram legados positivos, como Getúlio Vargas, Joaquim Nabuco, João Goulart, José Bonifácio de Andrada e Silva, Julião Francisco, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães entre outros. Fala-se em fazer uma reforma política. Penso ser pertinente e urgente. No entanto, de nada adiantará se não tivermos uma nova geração de políticos comprometidos com o coletivo e que sejam pautados pela ética vinte e quatro horas por dia. Nesse contexto, política não deveria ser uma profissão, mas um dever e um fazer cívico voluntário em prol da sociedade por um período de tempo limitado.
A decadência da moralidade, que pode ser considerada uma doença, está estampada nas fraudes políticas, na corrupção, nas leis que defendem o individualismo, nas pessoas que não se preocupam com o próximo. Essa doença pode ser curada com o fim da cultura da impunidade e com a aplicação de punições severas aos corruptos. Como aponta Leonardo Boff: \”Precisamos de uma utopia para a política, para que desempenhe a função pela qual existe: organizar a sociedade, montar um Estado, distribuir os poderes e realizar a busca do bem comum para todos, sem privilégios e discriminações\”.
Para frear a decadência, o instrumento mais poderoso é a educação pública de qualidade para todas as crianças e jovens brasileiros. Uma educação que não seja míope e que não seja focada somente no mercado de trabalho. A educação ideal é aquela que prepara para uma vida em harmonia com seus semelhantes e que respeite as limitações do planeta. Assim, valores e virtudes, como solidariedade, ética, bondade, desapego, honestidade, humildade, generosidade, humor, sabedoria, paciência misericórdia e amor, serão as ferramentas para construir a própria e a felicidade de todos.
Como aponta Alvin Tofler, somos hoje protagonistas de uma nova civilização, a qual está dando origem a uma nova sociedade que valoriza, sobretudo, a informação, o conhecimento e a criatividade, e onde a produtividade dependerá de novas tecnologias que permitam ao homem a fazer menos e pensar mais. Não menos importante é sermos solidários com a natureza. Como observa Edgar Morin: \”Mesmo sendo diferentes, somos todos filhos do Sol. O verdadeiro problema não está em nos reduzir ao estado da natureza, mas em não nos separarmos do estado da natureza\”.
Creio que é possível reverter a atual decadência e construir um mundo melhor. Um mundo sem guerras, sem antagonismos e egoísmos individuais e coletivos. Um mundo colaborativo, onde o amor substituirá o ódio. Lembremos um verso da música Nova civilização (PJ e Raiz): \”Uma pátria mais justa e mais fraterna / Onde juntos construímos a unidade / E ninguém é desprezado porque todos são chamados / Nós sabemos: o caminho é o amor\”.
Todos nós devemos ser protagonistas para revertermos a decadência e conquistarmos a utopia de um mundo realmente civilizado. Viver sem utopia é como vagar como um zumbi sem rumo no deserto. É pertinente cada um de nós refletir sobre o pensamento de Eduardo Galeano: \”Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar\”. Vamos todos caminhar em uma estrada iluminada e encantada que nos levem à conquista de um Brasil melhor e feliz.
*ISAAC ROITMAN – Professor emérito e coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da Universidade de Brasília, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e membro do Movimento 2022: O Brasil que queremos.