“Onde erram os professores?” – “Basta aprender a dar aula” –

Pedro Demo*

 

No titulo deste texto há duas frases entre aspas: são o título de uma nota de Claudio de Moura Castro na Veja de 16 de novembro de 2016 (p. 32) e a conclusão (Castro, 2106). Embora não seja o caso extrair de uma nota e de uma nota de uma página, maiores conclusões, é importante destrinchar o que este posicionamento – sem qualquer novidade, aliás –propõe, em especial sua conclusão monótona: “basta aprender a dar aula”. A nota começa com declaração de ter-se tornado fã de Gates (este teria abandonado a Empresa – Microsoft – para dedicar-se à filantropia), o que por si denota uma filiação duvidosa, se levarmos em conta reações fortes de muita gente nos Estados Unidos por este tipo de filantropia. Cito um texto recente de Russakoff (2015), que estuda, com detalhes meticulosos, o resultado desta filantropia (neste caso de Zuckerberg, outro filantrópico angelical, do Facebook) para as escolas “apadrinhadas”.

O mínimo que se pode dizer é que esta filantropia, hoje base da reforma corporativa educacional americana sem maior êxito concreto, também com respeito a charter schools, voucher e home schooling (em especial as primeiras) (Carnoy et alii, 2005), devota-se, não ao aprimoramento dos professores, em particular à aprendizagem dos estudantes, mas a manter o controle sobre a reforma, desde No Child LeftBehind (de Bush – 2001 – https://en.wikipedia.org/wiki/No_Child_Left_Behind_Act) até Raceto the Top (de Obama – 2009 –https://en.wikipedia.org/wiki/Race_to_the_Top) (Archer et alii, 2016).

O desempenho dos estudantes americanos continuam ridículo no PISA (Ravitch, 2013), por alguns atribuído à parte pobre (muito alta nos Estados Unidos – quando se retiram os mais pobres da amostra, o desempenho é elevado – tese básica do livro de Ravitch). Existe uma literatura ampla e veemente americana de questionamento da reforma corporativista que apenas cito aqui per transendam, onde se criticam pelo menos dois pontos em torno das “evidências” (Horn & Wilburn, 2013. Amrein-Beardsley, 2014. Berliner & Glass, 2014. Zhao, 2012. Hagopian, 2014. Lang, 2013): i) correlação não é “causação” – indica associação de variáveis, não vínculo linear, em especial em matéria tão controversa como é aprendizagem; o que se mede na correlação é a parte quantitativa e que em geral é apenas uma aproximação indireta quantificada ad hoc, como o próprio Ideb e PISA sempre reconheceram (aprendizagem autoral [Demo, 2015] não é mensurável diretamente, por isso precisamos de “descritores” ou coisa parecida que traduzam dinâmicas não lineares em linearizações indicativas) (Hubbard, 2010); ii) como aprendizagem é dinâmica que se dá na mente do estudante, não na aula do professor, ensino é “mediação”, ou seja, a figura central da aprendizagem é o aprendiz, não agentes externos, que podem, porém, ser importantes, como são pais para os filhos; os pais, porém, não “causam” o desenvolvimento dos filhos; mediam, mais propriamente.

I. “EVIDÊNCIAS” DA PESQUISA

Tomando em conta um texto organizado por Oliveira (2014) sobre “educação baseada em evidências”, que mostra qualidades metodológicas pertinentes, mas é “positivista” até aos ossos (tal qual uma de suas primeiras obras, encardidamente instrucionista, de 1988 – “teorias da instrução”), vemos que se alinha a propostas como a de Marzano nos Estados Unidos, sempre obcecado pelas evidências da pesquisa (2003; 2007. Marzano & Pickering, 2011).

Antes de mais nada devo reconhecer a propriedade da proposta, algo que falta por demais em ambientes “pedagógicos”, tipicamente amadores em “pesquisa”. O texto de Oliveira de 2014 é bastante mais maleável, por isso também muito interessante e digno de nota (acentua, por exemplo, a provisoriedade de resultados científicos), mas tem a mesma pretensão da reforma coorporativa (filantrópica também) americana: controlar o processo de reforma da educação. No caso de Marzano, que se notabilizou por defender um processo educacional informado pela pesquisa científica, cabe reconhecer esta iniciativa (num país que, mais que outros, aprecia pesquisa, mesmo sendo como regra positivista fundamentalista), já que “educação científica” é eixo fundante da formação do estudante hoje (Linn & Eylon, 2011. Slotta & Linn, 2009), particularmente dos professores (isto falta totalmente na nota de Castro, bem como no texto de onde emanou a nota de Castro & Sabastiani [2016!]). Como Marzano, a nota de Castro acentua a “arte de ensinar” (e sua “ciência”), concluindo sem meias palavras: “Basta aprender a dar aula”.

Observando o texto de Castro e Sebastiani (2016!), bem cuidadoso em termos metodológicos, como sempre, e puxando pela pesquisa da Fundação Gates (Archer et alii, 2016), vemos um esforço extraordinário em montar ambientes controlados de observação e coleta de dados, com respetivas correlações (r2). Tenta-se usar o que existe de já “verificado” (como The Tripod Project – http://tripoded.com, bem como os “7Cs” (care, control, challenge, clarify, confer, captivate e consolidate), mas cabe logo uma observação: por que falta “aprendizagem” do professor (só porque não começa com C?).

Para quem gosta de “pesquisa” canônica, engolir “7Cs” não é diferente dos pedagogos que declamam “construtivismo” ou “sociointeracionismo” como amuleto. Depois aparece a pergunta patética: “O que dizem os números?”; qualquer rigor epistemológico sugere que números não falam, não só porque não têm boca, mas mormente porque quem fala é o pesquisador. A formulação é capciosa porque se quer aduzir que os números são de tal modo “evidentes”, que não haveria como não engolir. Evidência não está no número, mas na cabeça do intérprete, que precisa, naturalmente, seguir acertos metodológicos para ser minimamente crível. Espanta-me que os resultados da pesquisa sejam relativamente pálidos em termos estatísticos (tamanho da correlação linear), embora se insista alegremente que são muito significativos. Alguns exemplos: correlação Observação x Ganho de aprendizagem deu um r2 de 0.331 (um terço apenas); Pesquisa com os alunos x Ganho de aprendizagem, deu 0.481 (um pouco maior) (ambas significativas a 1%).

 

             Traçando a correlação com respeito aos 7Cs (viraram cinco agora), temos:

Correlação

Categoria

Valor r2

Ganho de aprendizagem x Pesquisa com os alunos – Por categoria

Cativar

0,656

Ganho de aprendizagem x Pesquisa com os alunos – por categoria

Consolidar

0,460

Ganho de aprendizagem x Pesquisa com os alunos – por categoria

Cuidar

0,557

Ganho de aprendizagem x Pesquisa com os alunos – por categoria

Desafiar

0,529

Ganho de aprendizagem x Pesquisa com os alunos – por categoria

Engajar

0,547

 

“Das sete, cinco se associam ao desempenho do aluno na presente pesquisa. Ou seja, temos correlações que explicam 66% da variância; sob qualquer critério, é um resultado muito elevado”. Embora os valores sejam bons, relativamente, poderia aduzir: i) apenas uma correlação “explica” 66% da variância; todas as outras estão abaixo; ii) esta maior, relaciona-se a “cativar”, claramente procedimento externo e duvidoso (não está longe de engambelar); iii) a menor relaciona-se a consolidar (0,460) – poderia interpretar que, sendo aprendizagem algo que ocorre na mente do estudante, não na aula, o professor “não consolida” nada, caso o estudante não estude; simples assim; papel maior do professor é cuidar que o estudante estude, não repassar conteúdo, que, aliás, encontra, hoje, em qualquer web.

 

              A correlação com categorias/indicadores é particularmente magra:

Correlação

Categoria/Indicador

Valor do r2

Ganho de aprendizagem x Observação – por categoria

2b-Uso de estratégias e recursos didáticos

0,380

Ganho de aprendizagem x Observação – por categoria

2c-Criação de atividades propostas aos alunos

0,408

Ganho de aprendizagem x Observação – por categoria

2d-Acompanhamento da aprendizagem

0,317

Ganho de aprendizagem x Observação – por categoria

2e-Capacidade de demonstrar receptividade e flexibilidade

0,333

 

Os valores de r2 estão entre 0,3 e 0,4, muito baixos – embora “expliquem mais de um terço da variância”, não tranquilizam a nenhum pesquisador mais exigente. Poderia indicar outra intepretação: i) a menor correlação é com acompanhamento da aprendizagem (0,317) – sugere que o acompanhamento docente tem interferência menor, porque é questão de estudar, não de ensinar; ii) a segunda menor é com capacidade de demonstrar receptividade e flexibilidade (0,333) – indica tipicamente que professor receptivo e flexível, por mais que isto seja intuitivamente crucial, não aprende pelo estudante; iii) a terceira menor é com uso de estratégias e recursos didáticos (0,380) – insinua que didática instrucionista tem pouco relevo; iv) a melhor correlação é com criação de atividades propostas aos alunos (0,408), embora muito baixa, insinua a importância do trabalho do estudante como tal…

 

      Desagregando as categoriais, temos, com respeito a “traços que influenciam no aprendizado dos alunos”:

Correlação

Categoria/Indicador

Valor do r2

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2a.2 (Explicações do professor)

0,393

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2b.1 (Uso de estratégias e recursos didáticos)

0,501

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2b.4 (Uso de estratégias e recursos didáticos)

0,428

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2c.1 (Criação de atividades propostas aos alunos)

0,391

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2c.2 (Criação de atividades propostas aos alunos)

0,386

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2d.1 (Acompanhamento da aprendizagem)

0,371

Ganho de aprendizagem x Observação – por indicador

Obs.2e.1 (Capacidade de demonstrar receptividade e flexibilidade)

0,333

 

i) a menor fica com capacidade de demonstrar receptividade e flexibilidade (0,371) – diria nada “robusta” (a má consciência segue logo, quando indica a necessidade de aprofundar “o significado exato de cada uma das categoriais”); esta correlação tão pequena apenas atesta o que qualquer psicologia da motivação já sabe: motivação externa conta, mas não é crucial (Pink, 2009); ii) a segunda menor fica com acompanhamento da aprendizagem (0,371) – típica motivação externa, embora tenha seu lugar; iii) criação de atividades propostas aos alunos teve, no dois casos, correlação baixa (0,386 e 0,391) – esteve um pouco melhor na tabela anterior, embora também em valor pequeno; iv) explicações do professor teve 0,393 – tem algum peso, mas jamais o peso do esforço do próprio estudante; v) uso de estratégias e recursos didáticos teve a melhor correlação (0,428 e 0,501) – mesmo assim é uma miséria para quem aposta tudo no ensino; este resultado, porém, choca-se com da tabela anterior (onde a correlação foi de apenas 0.380 – daí talvez a alusão de que é preciso aprofundar…).

Mesmo assim, ao discutir-se se observadores e alunos coincidem em seu diagnóstico, a conclusão é imprópria: “confirma-se que a capacidade do professor de demonstrar receptividade e flexibilidade é uma variável poderosa, explicando 55% da variância”. Professores atentos são muito importantes, mas não aprendem pelo estudante. É patética a interpretação do valor muito elevado (relativamente) de 0.733 para a correlação entre ganho de aprendizagem e pesquisa com os estudantes: “de fato, uma proporção extraordinária, 73% da variância, é explicada por uma prática tão concreta e simples como passar a corrigir o dever para casa”. É sintomático que se face distorção tão gritante do resultado: o que torna esta cifra tão relevante, não é “corrigir o dever”, mas que o estudante, finalmente, ao invés de ficar escutando professor e engolindo conteúdo, faz alguma tarefa concreta por si.

Ao final do texto, quando se pergunta pelo que “aprendemos com a pesquisa?”, diria que, se algo ficou mais claro, é que ensino não tem, nem de longe, a relevância atribuída. É, aliás, o que o Ideb poderia sugerir: os estudantes não aprendem quase nada na escola, mas foram entupidos, superlativamente, de aula, prova e repasse (Demo, 2016; 2016a). Os AA insistem na qualidade estatística da pesquisa (chance inferior a 1% de os resultados serem espúrios), mas vimos que há incongruências entre tabelas, aliás facilmente compreensíveis quando se trata de cercar dinâmicas tão lineares linearmente. O esforço é importante e seu ambiente positivista sequer me incomoda, porque é cânone americanista; mas incomoda armar uma encenação tão altissonante em torno de “evidências” que são, mais que nada, tão pouco evidentes.

II. APRENDER

Nunca se define aprendizagem, porque se dá de barato que aprender é frequentar aula, como soa estridentemente a conclusão da nota de Castro (basta aprender a dar aula). Constam algumas conclusões, arquissabidas, do que não tem maior importância no aprendizado do estudante: experiência do professor tem pouco a ver (simples, porque em geral é repetência); o nível de escolaridade não se associa “ao tanto que aprendem” (atrapalha, porém, se o professor é semianalfabeto) – encobre-se que professores são pessimamente formados – não aprendem e se metem a ensinar (são sim facilmente semianalfabetos, não por culpa, mas por conta de instituições como as defendidas por Gates e Castro); encobre-se que aprendizagem autoral não se fraciona em “tantos” quantitativos (embora seja viável fazer isso aproximativamente) (Hubbard, 2010), mas é o que o instrucionismo aprecia; mestres e doutores também não “trazem mais rendimento” e cursos de reciclagem são “perfeitamente inócuos” – é triste ouvir isso, primeiro, porque mestres e doutores aprenderam por pesquisa, não por aula (deveriam ser autores, não papagaios), mas indica algo que qualquer teoria e prática da aprendizagem sabe: o que faz a aprendizagem do estudante não é a titulação do professor, mas a iniciativa estudantil devidamente motivada intrinsecamente (precisa ler, estudar, pesquisar, elaborar); reciclagem não vale nada porque é mero ensino; ainda, diminuir as turmas pode não ter efeito (aproveita-se logo para legitimar salas com mais de 100 estudantes perfeitamente imbecilizados), porque mau professor não dá conta nem de um só aluno – mas qualquer boa experiência de aprendizagem valoriza, mesmo sendo fator exógeno, um professor que personaliza sua atuação (Sahlberg, 2010. Ripley, 2013).

Esta cautela de que não se trabalha aprendizagem autoral nas pesquisas e testes é preocupação generalizada, primeiro, porque o sistema de ensino vigente não vale praticamente nada (basta vero Ideb de 2015 – não escapa nem a escola privada, uma “tragédia”, segundo o atual ministro). Schleicher, mentor pedagógico do PISA, sempre tenta salvaguardar que o teste capricha em autoria do estudante (2013), em particular contra as críticas atuais ao desempenho de cidades chinesas que ocupam o topo do ranking (Zhao, 2010; 2012). Semler (2016) recentemente chamou de “truque sujo no Enem”, referindo-se à decoreba de fundo que avassala os exames e reportando-se ao “êxito” chinês (Demo, 2016b) tão duvidoso. Zhao, professor de origem chinesa vivendo nos Estados Unidos, é particularmente enfático na suspeita de que o êxito chinês é decoreba fraudulenta, em parte porque o país há mil anos seleciona os ocupantes de cargos superiores públicos via concurso, mas como há multidões para cada vaga, a fraude se institucionalizou avassaladoramente, não só porque é decoreba alucinada, mas sobretudo porque a arte da fraude é o que ficou de criativo, ao final (Lang, 2013).

A noção de que aprender decorre de ensinar, linearmente, não tem fundamento teórico e prático. Apenas é mantida porque existe um império empresarial e institucional em jogo que precisa resguardar-se. Não é questão de modismos esquerdoides, que existem em abundância na pedagogia, mas de “evidência” científica, não a “direitoide” (positivista), mas alguma mais modesta e aberta. A neurociência está “confirmando” bem satisfatoriamente que aprender é dinâmica que precisa também de motivação externa (como é o fenômeno evolucionário adaptativo), mas se realiza por motivação intrínseca, na condição autoral, que algumas biologias chamam de “autopoiese” (Maturana, 2001. Demo, 2002). A mente e os sentidos não são instâncias reprodutivas, mas participativas, também porque não veem tudo, não captam tudo; antes, o fazem dentro do nível evolucionário atingido e seletivamente ou aproximativamente (Boykin & Noguera, 2011. Couros, 2015). O que vem de fora é “mediação” (termo atribuído a Vygotsky em sua formulação mais acurada, que, com Piaget é desprezado na nota), mas é o que parece contar no instrucionismo. Entre os achados a nota cita: “Por exemplo, passar deveres para casa inteligentes, corrigi-los e depois dar feedback ao aluno. Ou então explicar, insistir, repetir, até que ele aprende”. Bravata instrucionista incongruente. Primeiro, é muito bom dever de casa inteligente (como são, por exemplo, videogames sérios) (Gee, 2003. Prensky, 2010. Thomas, 2011), mas o efeito mais apropriado não é isto, nem a correção e feedback, mas o trabalho autoral do estudante – definitivamente, professor não aprende pelo estudante, assim como pais não vivem a vida do filho. Segundo, a insistência repetitiva denota o pano de fundo de decoreba inconsequente – o estudante pode até ir bem no teste, mas é papagaio.

Está faltando nesta percepção de Castro, a meu ver:

a)     tomar a sério o que a “evidência” científica conquistou sobre aprendizagem, ainda que tudo seja resultado em andamento, sempre (como na Wikipédia); aprender não é coisa feita de fora, empulhando, instruindo, entupindo; é conquista interior, tipicamente; papel docente é contribuir para esta conquista interior do estudante; o que faz de fora pode ter enorme influência, mas não ao ponto de aprender pelo estudante;

b)    cuidado mais claro com procedimentos técnicos de pesquisa, por serem a salvaguarda da qualidade da pesquisa; por exemplo, não é viável, estatisticamente falando, separar o “tanto” de aprendizagem que um estudante teve de “um” professor, a ponto de, como se faz nos Estados Unidos, demitir um professor que tem aluno que não aprende; esta linearidade forçada, completamente inventada, serve apenas para responsabilizar os docentes e encurralar a escola pública, mas que, de quebra, ainda é a melhor escola básica americana – Lubienski & Lubienski, 2013; relevância de correlações precisa ser mais bem posta, para não virar ênfase a gosto;

c)     não se cuida de “educação científica”, considerada hoje parte da espinha dorsal de processos formativos, desde o pré-escolar até ao doutorado (Linn & Eylon, 2011); esta proposta tem-se preocupado com “aula” (no livro de Linn & Eylon, há longa pesquisa sobre aula, concluindo-se sobre sua total subalternidade com respeito à aprendizagem dos estudantes), bem como tem acentuado o que é coro geral global: precisamos de estudantes cientistas pesquisadores, autores, processo/produto que nada tem a ver com aula; mantém-se aula como procedimento padrão canônico porque é o meio mais efetivo e lucrativo de repassar conteúdo, em geral sem entender; é como o dízimo: ninguém entende porque Deus precisaria, mas cobra-se freneticamente;

d)    ignora-se o quanto este tipo de ensino tem sido prejudicial à formação original docente – pedagogos e licenciados não são profissionais minimamente; matemática e aprendizagem estão em extinção na escola, enquanto ensino galopa altaneiro; não falta aula (tem de sobra), falta aprendizagem; vamos lembrar que aprendizado adequado no DF, que foi de 31.5% em 1995 em matemática e foi de 17% em 2013, indica o quanto este sistema de ensino é decadente, fraudulento. Não só isso – o DF tem uma EAPE (Instituição importante dedicada, para usar, o termo de Castro, à reciclagem) – enquanto aí se faz reciclagem sistemática docente, o estudante aprende sistematicamente menos…; será que “basta aprender a dar aula?”;

e)     ao mesmo tempo, ignoram-se evoluções atuais na direção de valorizar, não o sistema de ensino, mas de aprendizagem, entre elas: a crescente adoção do PBL em medicina (médico mais qualificado é o cientista pesquisador, autor de sua profissão); a experiência tida por muito exitosa do Pibic – estudantes que aproveitam a graduação são os que pesquisam; a profissionalização em pesquisa que metrados e sobretudo doutorados pedem (ainda que haja hoje muitas queixas, em especial contra as versões “profissionalizantes”), insistindo que se trata de formar autores, não reprodutores; a exigência de produção científica própria de professores que desejam fazer carreira acadêmica, porque aprende-se produzindo, não frequentando aula (mesmo sob a crítica do produtivismo da Capes e CNPq); o avanço claro de procedimentos de autoria própria nas grandes universidades globais (digamos, do tipo Harvard), também porque conhecimento científico só combina com autoria, não com papagaiada.

A impressão que fica é de que o mundo de Castro não é do conhecimento científico aberto, da aprendizagem autoral elaborada, da formação docente com base em educação científica, pesquisa, elaboração própria, mas de instituições que se perderam no passado como são as propostas educacionais da Fundação Gates, tipicamente corporativistas e instrucionistas. Filantropia extremamente autoritária e retrógrada que atrela os beneficiários, impedindo que se tornem autores de suas propostas.

CONCLUSÃO

Ainda creio que aproveitar lições da pesquisa científica para trabalharmos o direito de aprender bem do estudante na escola/faculdade é compromisso pedagógico e moral de todo professor. Conhecimento científico, porém, há de todos os matizes e malandragens, em especial quando se vende como objetivo/neutro, para manipular resultados nas entrelinhas. Está faltando clamorosamente na formação docente (pedagogos e licenciados) – não são cientistas, pesquisadores, autores. São “auleiros”, papagaios adornados de táticas de motivação externa para engambelar estudantes. São produto deste sistema de ensino vil, decadente, fraudulento, praticado em todo o sistema público e privado – os estudantes comparecem para escutar um estrategista em comunicação facilitada, que, se possível fora, coloca o conteúdo dentro da cabeça do estudante, tão bem que, vindo a prova, reproduz de novo ipsis litteris. Não tem nada a ver com os atuais avanços da pesquisa científica, por mais controversa que possa ser e é, pois a direção insinuada é de autoria do professor e do estudante. Aliás, os antigos sequer precisaram de sofisticação intelectual à la ciência ocidental, para descobrir que ninguém aprende por ninguém – aprendizagem, como condição de vida, é dinâmica autoral – se esta não aparecer, temos apenas aula.

Ao fundo, mantém-se a escola como fábrica de montagem linear, de massa, onde, numa esteira genérica, à la Chaplin, reproduzem-se marionetes para uma economia que já não existe. Como disse Semler, mui argutamente, embora mui laconicamente, educação se resume em aprender a questionar. Podemos entender isso bem, no espírito da coisa. Trata-se de autoria do estudante que aula, quase sempre, afoga. Um dos traços mais pertinentes do conhecimento científico é sua autorrenovação permanente, que aula nega, avilta, soterra. Mas, ao final, para que quereríamos um estudante que sabe pensar? Até o mercado, hipocritamente, o quer, menos o sistema de ensino.

“Onde erram os professores?” Erram porque são um erro do ensino do qual foram vítimas. O professor faz na escola o que fizeram com ele na faculdade. Quando quase ninguém aprende matemática, não se pode debitar isso apenas ao professor, porque é erro grosseiro estatístico e neurocientífico, mas tem uma “associação” – este licenciado em matemática que não consegue que seu estudante aprenda é produto do ensino: não aprendeu, mas acha que pode ensinar. Vítima de ensino, vitimiza seus estudantes com o mesmo ensino. Não por culpa. Por deformação. Precisamos dele, incisivamente. Cumpre cuidar dele, dando-lhe a chance de aprender como autor.


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