Cidadania Planetária: a urgência da adoção de instrumento de comunicação ético

Paulo Nascentes*

 

CIDADANIA PLANETÁRIA EM CADA MUNICÍPIO 

 

Desnecessário lembrar a importância do domínio da norma padrão da língua como forma de garantir acesso aos bens culturais e aos direitos básicos da cidadania em nosso País. Tanto mais que se tem constatado na maioria dos alunos a falta de domínio do conteúdo mínimo necessário à compreensão plena dos textos veiculados nos livros de Geografia, Ciências, História, Física, Matemática e assim por diante. Quanto do fracasso escolar deve ser atribuído a esse fator, seja no ensino fundamental, no médio e no universitário? Constatar o que apontam os índices disponíveis é aterrador.

Se de um lado é verdade que são corresponsáveis pela boa expressão pela linguagem os professores de todas as áreas e disciplinas, de outro não se pode deixar de enfatizar que cabe ao especialista da Língua Portuguesa o ensino eficaz das estratégias de leitura e produção de textos que possam ser considerados como tal, com coesão, coerência, concisão, enfim, todos os elementos textuais em função dos contextos de comunicação pretendidos. Patrimônio cultural comum da lusofonia, além de estudada de forma adequada, é preciso que dela nos orgulhemos. Por mais que avancem as tecnologias instantâneas de comunicação global, é na língua materna que noções básicas da visão de mundo nos chegam na infância e nela é que se constrói nosso caráter.

Ao lado disso, o domínio de uma segunda língua é hoje necessidade inarredável. Porém, é fundamental contar com resultados práticos e eficientes nos momentos de interlocução com nossos parceiros e parceiras de viagem na nave planetária Terra. Nosso destino comum no Planeta precisa ser equacionado – ainda hoje e mais que nunca – dispondo-se de um meio linguístico que nos satisfaça em plenitude nas necessidades de comunicação falantes de línguas diferentes. Porém, o que mostram os resultados dos testes de “língua estrangeira moderna”, para usar o termo oficial? Deploráveis! Nem mesmo o espanhol, língua dos nossos vizinhos mais próximos, aprendemos na escola. Naturalmente, não me refiro aos poucos privilegiados que podem pagar intercâmbio no Exterior para a imersão total no idioma-alvo. Falo da imensa maioria da população, refiro-me aos egressos do ensino público, que se veem excluídos desse direito garantido em Lei.Faltam escolas dignas desse nome, com prédios seguros e adequados, recursos pedagógicos modernos, professores motivados em todas as disciplinas. Cada vez mais os cursos de Licenciatura deixam de ser procurados pelos jovens, e se esvaziam, numa eficiente política de afugentamento da carreira do magistério, triste e competentemente implantada no País há muitas décadas. Já estamos colhendo os resultados! Faltam professores de diversas matérias do ensino médio. Sem falar na tragédia do ensino elementar, salvo as honrosas exceções que, dolorosamente, só confirmam a regra.

Toda a sociedade civil organizada precisa se apropriar da aguda situação que envolve o tema Educação e tomar as rédeas da discussão organizada,encaminhando sugestões, exigindo das autoridades do Estado a implantação de diretrizes claras e políticas públicas planejadas e consequentes. Será que o Brasil que queremos é esse que nos mostram os noticiários da tevê e dos jornais? Mostrar insatisfação com o estado de coisas vigente é o primeiro passo, aquele pelo qual toda caminhada se inicia. O Movimento ‘2022 – o Brasil que queremos’, comseus diferentes núcleos temáticos, reúne pensadores e ativistas em diversas áreas para estudar em profundidade propostas inovadoras e soluções definidas por consenso. (Saiba mais e participe em http://www.2022brasil.org.br).  Em suma, é hora de agir, e o protagonismo deve ser nosso, da coletividade,sem perder de vista a diferença entre a Realidade de Abundânciaversus o Cenário de Escassez. É neste cenárioque nos quer fazer acreditar a mídia corporativa. Vamos apenas reagir e lamentar? Ou podemos agir e propor nova ótica com base na velha e boa ética? Sim, nós podemos.

 

CIDADANIA PLANETÁRIA NO CONCERTO DAS NAÇÕES 

 

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Amplia-se dramaticamente a percepção da nossa ligação com tudo e com cada ser neste Planeta, que os povos ditos primitivos chamam de Mãe Terra, ou Pacha Mama, para os ameríndios tradicionais. Bastante recente na História, essa percepção de unidadevem crescendo, na sequência, desde as Grandes Navegações, a Exploração Espacial (termo deplorável!), as tecnologias de comunicação instantânea. Muitos começam a entrever o direito à vida dos seres de todas as espécies. Imersas na teia planetária,que desconhece fronteiras, as novas gerações estão ávidas por compreender como vivem, como pensam, que valores celebram os demais povos, a despeito da massificação homogeneizada oferecida pelos meios de comunicação. Dedos frenéticos no teclado dos celulares, o jovem toma contato com infinitas possibilidades de interação com o mundo exterior. Nesse contexto, o cultivo do mundo interior pela meditação deveria compor os currículos escolares. O desenvolvimento desse ponto importante, no entanto, foge ao escopo deste artigo.

O Brasil privilegia, na história de sua diplomacia, o diálogo, a autodeterminação e o consenso no âmbito da Cidadania Planetária. Mas, o efetivo exercício da cidadania planetária pressupõe, de plano, o uso de meios e modos democráticos e igualitários para sua concretização. Para que esse diálogo prospere, para além do importante domínio da Razão, é fundamental que ele esteja ancorado também na sabedoria do Coração. Aliás, a sociedade civil, de olho na mundialização e na expressão multicultural dos diversos interlocutores, está grávida de um novo modelo tanto nas Relações Internacionais como nas relações cidadãs com indivíduos de outros povos, com suas vozes interdependentes e não-governamentais. O segundo idioma que nos tentam ensinar na escola nos tem permitido, quando muito, dizer frases protocolares e padronizadas, o conhecimento do pescoço para cima, sem efetiva capacidade de um diálogo com o falante nativo daqueles idiomas ensinados por vários anos na fase final do ensino fundamental e no ensino médio.Para exercer plenamente a cidadania mundial, a adoção por consenso de novo instrumento linguístico eficaz e neutro mostra sua extrema urgência. No bate-papo vivo com colegas estrangeiros, as tecnologias precárias de tradução pouco têm a oferecer. Na hora do vamos-ver, precisaremos de muito mais do que tem sido possível obter até aqui. Como tem sinalizado a Unesco, precisamos que cada cidadão e cidadã conheça bem três línguas, a saber, alíngua materna, informal, falada no lar e na vizinhança imediata; a língua nacional, ensinada na escola e garantidora da cidadania no país em que nascemos; e uma língua internacional, ou interlíngua, e que defendemos que seja de todos e todas, portanto, neutra, para as ocasiões de intercâmbio com gente do mundo inteiro, independentemente de cadalíngua nacional.

De que neutralidade estamos falando? A neutralidade nesse caso significa estarmos livres da barreira dos idiomas, imposta pela adoção, no Pós-Guerra, do idioma dos vencedores pelos vencidos. Tornados majoritários pelos acordos de então, impera ainda hoje a imposição (ou impostura?) daanglofonia excludente. No termo idiomao elemento grego constitutivo idio (próprio, pessoal, privativo) também nos remete à idiossincrasia de cada povo em particular. Falar cada um seu idioma é, pois, adequado e necessário para a comunicação entre os cidadãos de cada nação, mas injusto, perverso, ineficaz quando imposto na comunicação entre cidadãos de diferentes povos e nações, por tornar o ato da comunicação despido de qualquer ética. Na esmagadora maioria dos casos, a comunicação do falante de uma dada segunda língua com o nativo é assimétrica, desigual, por isso mesmo injusta.

Como, então, exercer em plenitude a cidadania planetária,quando se está aprisionado na formatação cultural inelutável de um idioma que, nativo para alguns, é privilégio desses poucos? A adoção negociada e paulatina da Língua Internacional Esperanto, cujo ensino foi por duas vezes recomendado pela Unesco, na Assembleia Geral de Montevidéu, Uruguai, 1954, e na de Sófia, Bulgária, 1985, muda em essência esse quadro. Signatário de ambas as Resoluções da Unesco, o Brasil, por meio de seu Sistema de Ensino, regulado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, continua impondo às famílias, de forma sabidamente ineficaz e cara, o ensino do inglês e do espanhol, esse último, ao que tudo indica, com os dias contados. Em suas reuniões setoriais o Núcleo Temático da Cidadania Planetáriadeverá trazer à consideração de todos os demais grupos as questões abaixo, entre outras afins.

 

PERGUNTAS INICIAIS PARA REFLEXÃO 

 

1.      A ordem linguística mundial vigente nos organismos multilaterais de discussão e negociação, ao adotar seis ou sete idiomas como línguas de trabalho, como o faz a União Europeia, por exemplo, pode ser considerada ética, justa, igualitária e democrática? Ou, ao contrário, isso não gera privilégios insustentáveis para os falantes nativos dessas línguas dominantes? É justo gastar com traduções sucessivas, a cada sessão, recursos financeiros astronômicos, que poderiam ser investidos nos programas de vacina e prevenção de doenças? 

2.      Em termos de qualidade e de eficácia nas mesas de negociação internacional, qual o papel dos idiomas nacionais nesse contexto, considerada a barreira das línguas[ii]ainda evidenciada pelo uso de intérpretes, traduções simultâneas ou sequenciais, como mostram as fotos dos participantes das assembleias gerais da ONU e seus organismos?

3.      Em termos de custos e eficácia, o que mostram os gastos com sistemas de tradução de acordo com essas rubricas orçamentárias destinadas à comunicação entre os delegados nacionais?

4.      Que projeção em termos de impacto na economia de recursos se pode fazer no caso da adoção do conceito de bilinguismo suficiente[iii], com a adoção progressiva e constante da Língua Internacional Esperanto entre as atuais línguas de trabalho? 

C   Como incentivar o aprofundamento da pesquisa nas universidades do chamado valor propedêutico do ensino do Esperanto sobre a aprendizagem das demais línguas? O conceito[iv] aparece em 1908, em artigo de AntoniGrabowski, e ganha destaque com as pesquisas em Pedagogia Cibernética com o professor Helmar Frank nas escolas primárias de Paderborn, Alemanha, em 1975 e 1976. Em que consistiram esses experimentos? Poderiam ser replicados em nossas universidades?

6.     Para efeito de raciocínio, façamos um exercício de imaginação. E se… como fruto do concerto das nações, a ONU conseguisse convencer os governos da maioria dos países a adotarem o ensino da Língua Internacional Esperanto, considerando as evidências já apontadas em pesquisas quanto à relativa facilidade de aprendizagem do Esperanto quando comparado às línguas nacionais e étnicas, essas com tantas e tamanhas exceções, por não se tratarem de línguas planejadas e neutras? E se… uma vez implantado com sucesso, melhorasse muito o poder da comunicação e a intercompreensão para as crianças e jovens no mundo todo?

 

CONCLUSÃO 

 

Quando enfim decidirmos, por consenso, fazer uma grande roda de família, deixaremos para trás a lógica da competição e ingressaremos, de coração aberto, na lógica da cooperação, mais vantajosa para a coletividade. Essa nobre visão de mundo consta no poema La Espero[v] (A Esperança), de Lázaro-Ludovico Zamenhof: “Surneŭtralalingva fundamento,/ komprenanteunulaalian,/ lapopoloj faros em konsento/ unugandanrondonfamilian.”Em tradução livre, “Sobre um novo fundamento linguístico neutro, / compreendendo-se uns aos outros, / os povos farão, em acordo,/ uma grande roda de família”.


*Professor de Esperanto (LET/UnB Idiomas), membro da diretoria da Liga Brasileira de Esperanto (BEL)

REFERÊNCIAS

PIRON, C. 2002. http://claudepiron.free.fr/livres/defilanguesbonsens.htm

http://www.esperanto-bilinguismo-suficiente.com

https://pt.wikipedia.org/wiki/Valor_propedêutico_do_esperanto

L. L. Zamenhof (1903). Fundamenta krestomatio de lalingvo Esperanto. 18 eld. Roterdamo, Nederlando: Universala Esperanto-Asocio, 1992. p. 298. 

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