O emprego e o futuro digital

Virgilio Almeida e Danilo Doneda*

Fonte: Valor Econômico

 

Com ou sem crise, a digitalização da economia e da sociedade segue sua marcha inexorável. O Facebook já ultrapassa 1,7 bilhão de usuários e, a cada minuto, o Google responde a mais de 2,4 milhões de consultas e o WhatsApp envia mais de 21 milhões de mensagens para 1,1 bilhão de usuários. Uber e Airbnb seguem causando mudanças nas indústrias de transporte, automobilística e hoteleira. Das dez maiores empresas globais, cinco são de tecnologia digital: Apple, Google, Microsoft, Facebook e Amazon. Esse é o lado brilhante da digitalização. O lado cinza é a questão do emprego. Na esteira do avanço das tecnologias digitais e, em particular, da inteligência artificial, existe uma discussão em torno do emprego e da substituição do trabalho humano por robôs e algoritmos.

 

Empresas como Tesla e Amazon dependem essencialmente de robôs para várias tarefas, desde a manufatura em si até a logística de suas operações. Além disso, novas tecnologias de produção e logística estão alterando as cadeias globais de manufatura. Impressoras 3D, robôs, algoritmos, inteligência artificial e manufatura avançada vêm gradativamente redesenhando o mapa global de produção, valorizando a inovação e a qualificação da mão de obra.

 

Na última reunião anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência, o cientista Moshe Vardi afirmou que nos próximos 30 anos o avanço da robotização deve levar a uma taxa de desemprego superior a 50%. Um estudo da assessoria econômica da Casa Branca apresenta dados importantes e preocupantes não apenas para os EUA, mas para a economia global. O estudo mostra que os primeiros trabalhadores a serem substituídos pela automação são os de menor qualificação – que, nos EUA, ganham menos de US$ 20 por hora.

 

Fortalecer disciplinas de ciências e matemática é vital para que o país chegue ao futuro como protagonista

 

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Frente a esse avanço da automação, a pergunta é: como o Brasil deve se preparar para o futuro digital? Ainda que o debate em torno do emprego no Brasil não tenha a automação como um de seus eixos principais, é certo que o país já está sofrendo as suas consequências. O país não pode apenas aguardar a chegada do futuro. O país necessita de ações de curto e médio prazo ao longo de três pilares fundamentais, que giram em torno de três temas: arcabouço jurídico-institucional, segurança cibernética e capacitação da sociedade.

 

Preparar-se institucionalmente para o futuro do trabalho implica uma série de providências e uma delas é a modernização do marco regulatório que será aplicado aos setores da economia afetados. Neste sentido, há o exemplo virtuoso do Marco Civil da Internet que, ao mesmo tempo em que estabelece garantias e direitos para o usuário da rede, proporciona a empresas que atuam na internet a necessária segurança e clareza sobre as regras que deverão seguir – o que é vital para o desenvolvimento de setores competitivos na economia da informação e para a atração de negócios.

 

O exemplo do Marco Civil não é, porém, uma panaceia e há diversas áreas e setores que sofrem com uma regulação anacrônica e pouco inclinada à proteção de direitos e promoção da economia na Sociedade da Informação, em áreas nas quais urge a modernização normativa. Destas, talvez o que seja mais premente é o estabelecimento de um marco normativo sobre proteção de dados pessoais no Brasil. Ou seja, o estabelecimento de normas que garantam ao cidadão controle e transparência sobre a utilização de seus próprios dados pessoais, condição indispensável para o exercício da cidadania e para a democracia na sociedade contemporânea.

 

Esse é um assunto sobre o qual o país está em franco atraso (contam-se hoje em 109 os países que possuem leis deste gênero!), o que causa tanto problemas comerciais, devido à incompatibilidade da legislação nacional com a de outros países, como acarreta ao cidadão brasileiro lacunas bastante graves em seus direitos.

 

A confiança no espaço digital é elemento chave para a digitalização da economia. Confiança nas transações comerciais, na identidade dos cidadãos e consumidores, confiança na estabilidade e segurança da internet. Confiança na prevenção e punição de crimes cibernéticos. O Brasil fez progressos significativos nos últimos anos com a criação do Centro de Defesa Cibernética, ligado às Forças Armadas. A aceleração da economia digital, porém, requer iniciativas que envolvam empresas e cidadãos.

 

A ciber-segurança depende do comprometimento de todos os setores da sociedade e não é assunto que deva nem possa ser tratado unicamente no plano militar. Recentemente, por exemplo, o presidente Obama anunciou um plano nacional de ações de ciber-segurança, no qual a responsabilidade pela segurança cibernética do país é compartilhada entre governo, empresas e os cidadãos.

 

O Brasil precisa preparar sua força de trabalho para os desafios digitais, desde a formação maciça de engenheiros e cientistas de computação até a inclusão do pensamento computacional nos currículos dos ensinos fundamental e médio. A preparação da sociedade para o futuro digital passa pela formação de capital humano capaz de gerar produtos e tecnologias competitivas e capacidade de usar adequadamente as tecnologias digitais nos mais diferentes setores da economia.

 

O fortalecimento das disciplinas de ciências e matemática (as disciplinas STEM – ciência, tecnologia, engenharias e matemática) é essencial para que o país ingresse no futuro digital como protagonista e não como um observador periférico do mundo digital.

 

O futuro digital carrega várias incertezas em relação a emprego, concentração de riquezas e mudanças em valores fundamentais como privacidade e segurança. Mas traz também oportunidades de desenvolvimento econômico e de políticas de inclusão social e econômica. O caminho a seguir depende de ações e iniciativas do governo, empresas e sociedade. E um ponto é certo: a preparação deve começar imediatamente, para que o país não chegue despreparado no futuro digital. 


*Virgilio Almeida é professor visitante na Universidade de Harvard e foi secretário de política de informática no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no período 2011-2015. 

*Danilo Doneda é professor da Escola de Direito da UERJ e especialista em direito do consumidor e privacidade. 

  

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1 Comment

  1. Muito bom o artigo. Acho mesmo que o futuro está na digitalização. O processo de digitalização necessita de prática para se entender. Já existem grandes empresas especializadas. Sai mais barato do que comprar um scanner, e sem contar a agilidade maior de quem já tem a noção de como fazer mais rápido. No meu caso digitalizei uma parte do meu arquivo pessoal com uma empresa aqui em São Paulo ( http://www.ozoniobrasil.com.br/digitalizacao_de_documentos_sao_paulo_sp.html ) e o resultado foi muito legal. Eu tinha um uma grande quantidade de livros e cadernos de faculdade, coisas que queria guardar mas ocupavam muito espaço em casa. O preço eu achei bem justo, achava que iria sair caro, mas foi de boa. Fica a dica para os amigos. Abraços

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