Por Artigo de Ennio Candotti, presidente de honra da SBPC, para o Jornal da Ciência em 22/01/2021
Na sombra da marca de 210 000 mortos e da velocidade dos ventos neoliberais na economia política varrendo planeta, acreditar que o mercado de compra e venda de insumos e vacinas poderá suprir a demanda de todos os países é uma temeridade. O mercado e as empresas farmacêuticas não têm demonstrado interesse em resolver a questão da distribuição equitativa dos antídotos da pandemia. O sistema internacional de propriedade industrial e intelectual cria obstáculos à copia e quebra de patentes por estados que a podem justificar por interesse coletivo ou razoes pandêmicas.
Um (possível) agravamento do quadro de contaminação levaria os países e empresas produtoras destas armas e técnicas de fabricação ao uso de critérios seletivos de natureza política, além de econômica, na sua venda ou distribuição.
Os recentes percalços nas compras de vacinas e insumos na Índia e China o demonstram.
Afirmamos durante anos que há competência nos laboratórios de bioquímica brasileiros para produzir vacinas e em particular desenhar e produzir a anti-covid19. Esta última apresenta o complicador de exigir laboratórios equipados para oferecer condições de trabalho com vírus altamente contagiosos (os NB 3 e 4 ). Questões, no entanto, que dependem apenas dos investimentos necessários para enfrentar a missão.
Se os recursos das agências federais são escassos (apesar do projeto de vacina contra covid-19 representar menos de 1/10 dos bilhões necessários par comprar as vacinas no mercado internacional), há também disponíveis os recursos estaduais das FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) que podem ser somados a eles. As atuais prioridades na alocação dos escassos recursos para pesquisa podem e devem ser reformuladas em função dos imperativos éticos que a sombra dos 210 000 mortos mais ilumina.
Devemos, sim, pensar em projetos que em prazos curtos nos tornem independentes na produção de vacinas. As razões pandêmicas presentes são agravadas por possíveis cenários futuros, sombrios.
Devemos lembrar que na Amazônia estão presentes vírus contaminantes, muito pouco estudados, cuja difusão é favorecida por desequilíbrios ambientais induzidos por queimadas. Desmatamentos provocados por agentes econômicos e políticos pouco atentos às recomendações constitucionais de conservação e defesa do meio ambiente e dos interesses coletivos.
Precisamos de ‘vacinas’ também para nos proteger destes agentes milicianos, que tanto contribuíram também para a difusão da covid. A sociedade as reclama, sabemos que os laboratórios para desenvolver estas ‘vacinas’, contrariamente aos do coronavírus, devem ter portas abertas e ar circulando para favorecer a contaminação de seus antídotos e mensagens.
Photo credit: Dr. Partha Sarathi Sahana on VisualHunt / CC BY