Educação é a vacina contra a violência

Por Dioclécio Campos Júnior, médico e professor emérito da UnB, para o Correio Braziliense em 18/09/2020

 

A violência é, sem dúvida, um dos males que mais afetam o bem-estar físico, mental e social da população brasileira. Não deve ser entendida, única e tão somente, como crime. Possui, também, as características de doença que acomete grande número dos que são contaminados pelos poderosos agentes transmissores.

Os fatores predisponentes dessa enfermidade são inúmeros. Entre eles, a pobreza, a miséria, as desigualdades sociais cada vez maiores, o segregacionismo maleficente, a drogadição, os preconceitos, e o consumismo escravizador.

Os sinais e sintomas de tal morbidade que causa o maior número de mortes no país são visíveis e claramente identificados. Incluem desrespeito cruel com o próximo, achincalhamento, agressão física de todas as modalidades possíveis e até mesmo inimagináveis, assalto e roubo, espancamentos vergonhosos, homicídio, infanticídio, feminicídio, estupro, exploração do trabalhador, corrupção em todas as instâncias político-administrativas e negação do direito de acesso igualitário às oportunidades essenciais à dignidade da vida humana.

Os meios de contágio da violência foram globalizados. Os principais transmissores são os veículos de comunicação, sempre focados na divulgação das formas de agressividade no mundo. As imagens produzidas e globalmente difundidas são chocantes e contagiosas, tais como discussões descabidas, ausência de diálogo, uso de armas de fogo, esfaqueamentos, bombardeios, ações destrutivas, invasões e guerras incessantes. Boa parte da população não resiste à influência contaminante desses vetores.

Amplia-se, assim, o número dos hospedeiros inconscientes dos agentes do mal, que passam a comandar seus hábitos e costumes. Tornam-se portadores da doença denominada violência, cujos efeitos transformam radicalmente o perfil comportamental. Passam a desenvolver os sinais e sintomas acima referidos, além de se converterem em novos agentes transmissores da doença.

Por seu lado, há de considerar a reflexão do pensador belga Ernest Mandel. Ele pondera que, de maneira geral, a violência tem sido propagada como estratégia governamental para justificar, com o apoio da população, o aumento de tropas militares e grupos policiais, bem como a aquisição de armamentos ditos de segurança. Na verdade, o intuito é dispor da força necessária para a manutenção do poder e o esvaziamento de eventuais rebeliões populares.

Há décadas, a epidemia dessa doença tomou conta do país, com alto poder de letalidade. Se o potencial arrasador não for avaliado como grave enfermidade contagiosa, será difícil reverter a nefasta prevalência. O Brasil é o segundo país com mais alto índice de homicídios na América do Sul. Em 2017, a taxa chegou a 30,3 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Além disso, 70,1% dos homicídios foram praticados com arma de fogo.

Trata-se do hediondo padrão de moléstia que requer, para tratamento e prevenção, o pleno conhecimento dos mecanismos psicopatológicos e sociais geradores da conduta violenta que prospera a olhos vistos. Construir presídios, a serem entulhados por enfermos dessa doença, não é a solução para o enorme desafio que ela representa. Presídio não é hospital.

Ademais, a prática de torturas e isolamentos cruéis não é o método psicopedagógico para promover a recuperação dos presidiários e a reinserção na sociedade. A violência, entendida como entidade patológica, deverá ser tratada em conformidade com as evidências científicas geradas por projetos de pesquisa pertinentes.

A medida preventiva de tão grave doença já existe, de longa data. Trata-se da educação de qualidade, a ser solidamente implantada desde a primeira infância até a idade adulta. Sua eficácia está bem demonstrada nos países que passaram a adotar esse relevante procedimento preventivo.

Infelizmente, não tem sido aplicada de forma igualitária em nosso país. Há de ser um investimento primordial para todos os governos, assegurando-se às novas gerações, com a mais absoluta igualdade, o acesso aos centros e programas educacionais devidamente habilitados.

Só a construção educativa da personalidade dos futuros cidadãos poderá protegê-los dos agentes transmissores da violência. Será, assim, possível propiciar à maioria da população as condições de vida indispensáveis ao bem-estar físico, mental e social. Em outras palavras: a educação é a única e verdadeira vacina contra a violência.

 

 

 

 

 

 

 

 

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