MOBILIDADE URBANA EM TRANSE

Por Aldo Paviani, geógrafo e professor emérito da UnB, para o Correio Braziliense em 24/02/2020

 

Os tempos mudam hábitos cotidianos das pessoas, que se adequam aos instrumentos que são colocados à sua disposição. A realidade impõe ajustamentos, por exemplo, na mobilidade dos habitantes das metrópoles (e, pelo que se vê, das médias e pequenas cidades também). Ir a pé ou de bicicleta para o trabalho não é para todos, mas tende a aumentar quando passeios, ciclofaixas e ciclovias se colocam à disposição dos que se deslocam. O que se evidencia na atualidade é o predomínio dos automóveis, no Brasil e em outras partes do mundo. 

Tudo leva a crer que o trilho perdeu a vez para o pneu, mas as dificuldades que começam a surgir nos grandes centros urbanos sugerem que investimentos sejam feitos para mudar esse “modelo”. Essa constatação está sob os olhos dos que observam a redução da fluidez e metrópoles que apresentam congestionamentos medidos em centena de quilômetros. Logicamente, os engarrafamentos são prejudiciais à mobilidades dos que transportam pessoas, matérias-primas e produtos. Quem se desloca para o trabalho não chega no horário estabelecido, os produtos e matérias primas perecíveis podem se deteriorar ou não cumprir prazo contratuais de entrega. Em resumo: com o tráfego emperrado todos perdem. Os caminhões e frotas arcam com gastos extras de combustíveis e de tempo desperdiçado ao longo das vias urbanas. 

Além dos danos à economia, que podem ser enormes, há que destacar os prejuízos para os que, diariamente, se deslocam para o trabalho. Sempre é avaliado no “commuting” – mobilidade casa-trabalho-casa – o custo da passagem para o trabalhador ou empresa nos coletivos (ônibus e trens) ou dos combustíveis dos que usam automóvel. Todavia, há um item não desprezível ligado ao cansaço físico e mental em razão do tempo perdido e tensões no trânsito congestionado. Há empresas que, diante dessas dificuldades, concedem certo tempo de descanso para que o trabalho posterior seja mais produtivo – assim como meios de relaxamento para desfazer as tensões, com repouso pós-almoço. Isso, que parece ser derivativo, tem apresentado ganhos para os trabalhadores e para as empresas.

Não temos avaliado o fato de que as metrópoles podem parar com os engarrafamentos isto é, não só não haverá espaço suficiente para o estacionamento de automóveis, como o fluxo emperrado leva a soluções como pedágio para circular pelo centro ou mesmo proibição de uso das vias centrais para automóveis e caminhões. Esta já é solução adotada por algumas grandes cidades, mesmo possuindo razoável rede de trens suburbanos ou metrôs. Mas, as cidades em que o transporte de massa é resolvido com ônibus, a mobilidade não fica bem resolvida. E se for acrescida a poluição atmosférica pelo uso do diesel, em área industriais, a saúde pública requer cuidados especiais. Em muitas metrópoles se usam máscaras para proteger as vias respiratórias. 

No caso de Brasília, é notório que os modais utilizados são insuficientes. A centralidade dos empregos torna o congestionamento nas primeiras horas da manhã no sentido cidades-satélites para o Plano Piloto e, em sentido contrário, ao final do dia. Verdadeiros nós no tráfego.

Explique-se que a cidade é polinucleada e apresenta um centro – o Plano Piloto – mais desenvolvido e detentor de grande volume de oportunidades de trabalho. Os demais núcleos urbanos, localizados em diferentes pontos do Distrito Federal (DF), embora tenham melhorado a oferta de empregos, são insuficientes para atender a população residente. Por este motivo, os deslocamentos diários são predominantes para o centro no início do dia e em sentido contrário à tarde, início da noite. 

Tomando como exemplo, um núcleo do DF – o Plano Piloto – e utilizando a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PMAD/Codeplan) de 2018, nota-se que os dados confirmam a analise feita: Usam bicicleta para ir ao trabalho 2,8% dos moradores do centro; a pé, 12,2%; de ônibus, 16,1% e o automóvel, 71,8%. Pormenorizando setores habitacionais que utilizam o automóvel para ir ao trabalho no Plano Piloto: o Noroeste apresenta o mais alto percentual, 88,9%; a Asa Sul, 76,1%; a Asa Norte, 69,1% e os demais locais 52,5%. Conclui-se que, apesar da ampliação das ciclovias e ciclo faixas, ainda não vingou uma cultura do uso mais amplo da bicicleta. Andar a pé, de modo geral, é complicado pelas distâncias a vencer, mas os 12,2% que caminham são expressivos. 

Conclui-se que é imperioso incentivar o transporte coletivo e estender as linhas de metrô ou trem para todo o DF e periferia metropolitana. Com isso, se reduzirá o uso do automóvel. Assim procedendo, Brasília terá mais funcionalidade e a mobilidade não estará cotidianamente em transe.

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