Por Wanderley de Souza, Professor titular a UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina, para o Monitor Digital em 12/02/2020
A esquistossomose é uma das mais emblemáticas doenças parasitárias causadas por helmintos no Brasil. Afinal, desde a Escola Tropicalista Baiana, liderada neste campo pela marcante figura de Pirajá da Silva, professor da Faculdade de Medicina da Bahia, sempre despertou o interesse de vários grupos de pesquisa tanto nas ciências básicas como na clínica e terapêutica.
Nos meus tempos de aluno da Faculdade de Medicina da UFRJ, tive a oportunidade, no saudoso pavilhão Carlos Chagas, de acompanhar pacientes portadores dessa parasitose. Com as medidas de controle da transmissão e avanços no tratamento com drogas mais específicas, a infecção pelo Schistosoma mansoni foi reduzida significativamente no Brasil.
Cabe lembrar que a infestação se dá quando as formas infectivas, chamadas de cercárias, são liberadas na água de rios como resultado da infecção de caramujos por miracídios e entram em contato com o homem. Os miracídios são formados a partir dos ovos do parasita eliminados pelos portadores da doença. O controle e/ou eliminação da população dos caramujos tem se mostrado efetiva.
Por outro lado, o uso do Praziquantel (derivado da pirazioisoquinolona) melhorou em muito o tratamento. Ressalto ainda que além do S. mansoni há outras espécies, como o S. hematobium e o S. japonicum, que continuam causando sérios problemas na África e na Ásia.
Os últimos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam para a existência de 200 milhões de infectados e de cerca de 700 milhões com possibilidades reais de serem infectados. Por outro lado, já há descrição de cepas do parasita resistentes a essa droga. Logo, é fundamental que se aprofundem os conhecimentos sobre este grupo de helmintos visando desenvolver novas alternativas de controle da transmissão, novas drogas para o tratamento da doença e uma vacina que a previna.
Pela sua importância a esquistossomose é considerada pela OMS como uma das “doenças negligenciadas” que requerem apoio
prioritário para novas pesquisas pelas instituições de fomento públicas e privadas.
Recentemente, houve um avanço com grande potencial de interferência nas medidas de controle da infecção. Há cerca de 40 anos os pesquisadores M. Stirewalt e F.A. Lewis, trabalhando no Biomedical Research Institute, em Rockville, USA, verificaram que a taxa de infecção por cercarias era consideravelmente reduzida em uma colônia de caramujos que convivia com uma colônia de rotíferos. A presença dos rotíferos levava a uma diminuição na liberação de cercarias que, por sua vez, apresentavam menor motilidade e capacidade de infecção experimental em camundongos.
Os rotíferos são animais microscópicos bastante abundantes no zooplâncton, especialmente em água doce. Algumas espécies de rotíferos foram cultivadas pelo grupo liderado por vários pesquisadores trabalhando em diferentes instituições norte-americanas, que conseguiram purificar uma molécula relativamente pequena (273 Dalton) do grupo dos alcaloides tetracíclicos que é capaz de paralisar as cercarias e bloquear sua capacidade infectiva, abrindo novas perspectivas para um controle mais efetivo da transmissão.
Esses estudos constituem um belo exemplo de conjugação de pesquisas básicas que podem rapidamente chegar à aplicabilidade no controle de doenças negligenciadas. Maiores informações em: doi.org/10.1371/journal.pbio.30000485