Dioclécio Campos Júnior, médico e professor emérito da UnB, para o Correio Braziliense, 19/01/2020
Se não houver investimento em educação de qualidade na infância, a desigualdade social será perpetuada no país. A criança tem direito a um acolhimento seguro, educativo e estimulante. São requisitos para seu desenvolvimento cerebral, etapa indispensável à formação da personalidade. Sem reconhecer esse direito, a sociedade perderá o seu capital cognitivo, vale dizer, a elevada capacidade de aprendizagem que caracteriza a fase infantil do ser humano. São atributos a serem assegurados a todas as crianças, sem nenhuma desigualdade. Não se trata de iniciativa imediatista. É o único caminho, legítimo e respeitoso, destinado à inabalável construção da cidadania.
O Brasil só progredirá por meio de medidas eficazes em favor das novas gerações. Crescimento do PIB, inflação reduzida, valorização do câmbio, aumento do salário mínimo e outros indicadores econômicos não produzirão o benefício esperado sem a priorização absoluta do investimento na infância, como define o artigo 227 da Constituição brasileira.
Exemplos comprobatórios da veracidade de tais princípios são os modelos educacionais de vários países do planeta. Há muito tempo, a União Europeia adotou essa rota civilizatória. Foram assim preservados os valiosos pilares culturais que unificam seus povos e fortalecem seu progresso. Uma das ações que destacam o mérito desses países, particularmente nos da península escandinava, é o reconhecimento da missão do magistério, entendida como nobre função da sociedade civilizada e humanista. Modelo referencial é a Finlândia, nação europeia cujo nível educativo é um dos mais elevados do mundo atual. Outro exemplo vem da Coreia do Sul, país que, graças à sábia decisão de investir prioritariamente na educação das novas gerações, superou a pobreza de uma sociedade arrasada pela guerra, promovendo o restabelecimento de uma nação que se tornou exemplar. Mais uma referência é o Japão, reduto pátrio que cultua a educação de qualidade na infância como indispensável oxigênio que circula, com equilíbrio igualitário, por todos os órgãos e sistemas do seu organismo nacional.
Com o território privilegiado que possui, o Brasil não pode permanecer no atraso com o qual vem convivendo ao longo de sua história. Nem deve desprezar tão expressivos exemplos, ignorando a prioridade educacional da infância. Se não incorporar o padrão referencial dos países citados, a sociedade brasileira seguirá nas chocantes crises econômicas e na vergonhosa iniquidade social que a caracterizam.
Valiosas propostas de sérias lideranças nacionais não foram adotadas. Merecem ser citadas como provas do desprezo com o qual sempre foram relegadas pelas instâncias governamentais. Com efeito, o grande pensador Rui Barbosa formulou, em 1883, um sólido programa para a educação da infância. Empenhou-se na defesa desta causa. Previu que, se o país não tomasse providência daquela natureza, a sociedade brasileira não teria futuro. Infelizmente, foi o que aconteceu. As gerações seguintes pagaram o oneroso preço de tamanho desleixo.
Fidélis Reis, deputado federal, apresentou, em 1922, o projeto de educação profissional que o país deveria implantar à luz do cenário da era industrial que crescia. O objetivo era formar profissionais qualificados para as áreas da industrialização. A ideia não sensibilizou o Congresso Legislativo da época. Comprometido com a causa, o deputado enviou cópia do projeto a duas grandes lideranças internacionais de então, Albert Einstein e Henry Ford, solicitando-lhes sua experiente avaliação. A resposta foi imediata e favorável, fortalecendo a fundamentação da iniciativa. Fidélis Reis persistiu na defesa da causa, enfatizando o apoio de tão inquestionáveis lideranças. O projeto foi então aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Washington Luiz que, pouco tempo depois, revelou não haver recursos para implementá-lo e determinou seu arquivamento. O deputado buscou o apoio do empresariado da época. Assim surgiu a instituição Senai. que prestou e presta grande serviço para a educação profissional.
Em 2006, a Sociedade Brasileira de Pediatria elaborou o Programa Nacional de Educação Infantil (Pronei), lançado em cerimônia na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. A senadora Patrícia Saboya registrou-o como projeto de lei, logrando aprová-lo no Senado. Foi, contudo, rejeitado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Em síntese, no Brasil, o ano 2020 só será novo se a educação igualitária da infância for implementada como prioridade absoluta do país.