Mobilização pública e direitos animais

Por José Geraldo de Sousa Júnior, ex-reitor da Universidade de Brasília e líder do grupo O Direito Achado na Rua; Elen Cristina Geraldes, coordenadora do curso de Comunicação Organizacional da UnB; Vanessa Negrini, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Direitos Animais e Interseccionalidades (Gedai), para o Correio Braziliense –

Dia 24 último, comemorou-se o Dia Mundial pelo Fim do Especismo.

Ideologia que nos faz acreditar, por exemplo, que os seres humanos são uma espécie superior a outras, e merecem mais consideração moral e jurídica que outros animais.

A data é oportuna para refletirmos sobre caminhos para a construção de uma coexistência mais harmônica entre os seres e a natureza, em respeito à vida de todas as espécies.

O Senado Federal reconheceu recentemente que os animais não humanos têm natureza biológica e emocional e são seres sencientes, ou seja, possuem capacidade de sentir – alegria, prazer, tristeza, dor, angústia, medo – de forma consciente. Quais os impactos desse reconhecimento para a vida dos animais não humanos? Qual a repercussão para os animais humanos? O que muda na nossa forma de nos relacionarmos com esses seres? São questões sensíveis e atuais que colocam em evidência um campo do conhecimento ainda pouco desbravado: os direitos animais.

Nesta seara, pela primeira vez, a Universidade de Brasília está oferecendo a disciplina mobilização pública e direitos animais. No início do ano, a Universidade de São Paulo (USP) foi a primeira a ter uma disciplina similar no Brasil. O conteúdo é ofertado em universidades como Harvard, Stanford, UCLA, Northwestern, Universidade de Michigan, Columbia, Duke eYale. Agora, a UnB se soma a esses esforços mundiais de trazer os estudos críticos animais para dentro da Academia, com abordagem de suas dimensões sociais, ambientais, éticas, filosóficas e políticas.

O que entendemos hoje por direito não é um produto pronto, acabado e definitivo. O direito vai se constituindo, ao longo do tempo e da história, em processos reivindicatórios, que mudam e se atualizam conforme o conjunto de forças presentes na sociedade. Hoje, essa sociedade está reivindicando que os animais não humanos sejam respeitados e tratados como sujeitos e não mais como coisa. Começam a surgir demandas e situações jurídicas as quais exigem respostas dos operadores do direito. Por exemplo, há casos de guarda compartilhada de animais não humanos sendo demandas em Varas de Família, de forma que a academia precisa voltar seu olhar para o tema e apontar referências teóricas e conceituais para essas reivindicações.

Sabemos o quanto é difícil pensar em direitos animais em um mundo em que os direitos humanos são colocados à prova todos os dias. Apesar do reconhecimento formal, negros, mulheres, indígenas, pobres precisam se afirmar todos os dias como humanos portadores de direitos e lutar por seu lugar ao sol. Muitos vão questionar a pertinência de se investir esforços nessa causa, quando ainda há tantas lutas a serem travadas pela vida dos animais humanos. Mas a verdade é que lutar pelos direitos animais fortalece a luta pelos direitos humanos, pois a base das opressões e violências contra ambos são as mesmas: a tradição, o patriarcado, o especismo.

Refletir sobre os direitos animais significa também pensar num mundo melhor para os animais humanos.Basta lembrar que mais de 40% dos grãos mundiais são utilizados para alimentação de animais destinados ao abate. Para se produzir um quilo de proteína animalizada, é necessário investir quase seis quilos de proteínas vegetais. Ou seja, a diminuição do consumo de carne traria maior oferta de alimentos para todos, ao mesmo tempo em que libertaria da exploração bilhões de animais. Além disso, a pecuária consome a maior parte de água doce do mundo. Para produzir um quilo de carne, são necessários 15 mil litros de água; para produzir um quilo de trigo, apenas 900 litros.Tudo isso são questões que importam aos animais humanos:garantir alimento para todos,preservar as florestas e a água-doce.

Da mesma forma que hoje olhamos para nosso passado com estranhamento e indignação como eram tratados negros, indígenas e mulheres – e seguimos em luta contra o genocídio da população negra e indígena, contra o machismo e a misoginia -, os animais humanos do futuro vão olhar para o nosso tempo, para nossas disputas sobre os direitos animais e se perguntar como perdurou por tanto tempo essa exploração. Não haverá dúvidas sobre a senciência dos animais.

Não haverá dúvidas sobre seu direito a uma vida plena, sem sofrimento, livre de exploração. Esse futuro está sendo construído hoje. Inclusive a partir do espaço acadêmico, com iniciativas como Mobilização Pública e Direitos Animais.

* Professores da Universidade de Brasília e idealizadores da disciplina Mobilização Pública e Direitos Animais

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