Por Cilene Rodrigues e Carolina Almeida, para o Correio Braziliense –
Quando pensamos na vida, damos atenção especial ao lazer, imaginando o contato com os outros seres, com a água, a mata, a chuva e o sol. As neurociências e as ciências cognitivas apontam para o papel do lúdico na aprendizagem, sobre o meio em que vivemos, sobre a condição humana e nosso lugar no mundo. Em outras espécies, não é diferente. Outros mamíferos, aves e répteis também devotam tempo para o lazer, o que se mostra essencial para a moldagem interna do indivíduo e a sua interação com o ambiente. O lazer é um componente importante no desenvolvimento das habilidades mentais e físicas, e o prazer de brincar nos torna cognitivamente receptivos, maximizando a aprendizagem. Isso pode se dar de maneira inconsciente, com a sensação enganosa de que lazer é sinônimo de esvaziar a cabeça.
Nos dias de calor intenso, o Parque Nacional de Brasília (Água Mineral), umas das joias ambientais do Centro-Oeste, fica apinhado de pessoas. Crianças, adultos e idosos desfrutam das águas correntes das piscinas e da natureza que as cerca, quase sempre sem ciência do papel do lazer na formação do emocional e do cognitivo. Além da evidente riqueza aquática, o parque abriga diversificada fauna e flora. Na vegetação típica do cerrado e nas matas de galeria que se desenvolvem ao longo dos cursos de água vivem quatis, pássaros, queixadas e até arredias jaguatiricas. Mas, certamente, os mais famosos são os macacos-prego Sapajus libidinosus, espécie encontrada nos biomas de cerrado e caatinga.
Os processos cognitivos dessas criaturas têm sido objeto de interessantes investigações científicas. Pesquisas com diferentes espécies localizadas em diferentes pontos do território brasileiro demonstram que os macacos-prego são exímios manipuladores de ferramentas, capazes de utilizar pedras para quebrar cocos e esmagar alimentos, e de manipular varetas para retirar comida de recipientes muito estreitos. Pesquisas indicam ainda que a manipulação de objetos desenvolve-se gradualmente durante o primeiro ano de vida e intercala-se com brincadeira sociais, como pega-pega e luta. Na infância, tanto a manipulação de objetos quanto as brincadeiras sociais são comportamentos lúdicos de caráter biossocial, importantes para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras.
Outra característica marcante é a tolerância social. Infantes podem observar de perto a manipulação de ferramentas por jovens e adultos e, eventualmente, compartilhar dos alimentos conseguidos. Essa tolerância promove o lazer e a aprendizagem. Na Água Mineral, é comum ver jovens e adultos utilizando pedras para quebrar cocos ou alimentos duros, enquanto os pequeninos observam ou brincam com seus pares. No entanto, o comportamento desses animais nos ensina não só sobre suas mentes espertas, mas também sobre nós mesmos.
Em dias de grande movimentação, quase nada se ouve na Água Mineral a não ser o barulho humano. Gritos, risadas e vozes retumbam mata afora. É quase impossível ouvir as vocalizações dos macacos. Isso nos diz algo sobre a nossa educação ambiental. Quão educado é um ser que, ao chegar na casa do outro, toma conta do pedaço, falando, gritando e rindo alto, alterando o padrão sonoro local? Pesquisas indicam que o barulho humano e de máquinas modifica a frequência do sistema de comunicação oral de algumas espécies. Porém, o mais grave no caso dos macacos-prego da Água Mineral é a ingestão de alimentos levados pelos humanos, o que tem provocado mudanças na rotina e fisiologia desses mamíferos.
As placas proibitivas estão por toda parte e os funcionários da Água Mineral advertem que os animais não devem ser alimentados, mas muitas famílias chegam carregadas de guloseimas, e as cenas que se seguem são tragicômicas. O acesso a alimentos calóricos atrai os macacos para a área das piscinas e, quando a comida não é dada de bom grado, eles partem para cima, \”roubando\”. Isso termina, muitas vezes, em conflitos e até agressões de ambas as partes.
Além de comer itens naturais de sua dieta, como frutos e insetos, os macacos são atraídos pelas \”delícias\” dos humanos, fazendo de tudo para consegui-las, tirando-as à força ou revirando lixo, viciando-se em iogurte, bolacha e refrigerantes. Isso nos diz algo sobre a nossa inteligência. Quão inteligente é um ser que, a despeito de alimentar mal a si mesmo e à família, espalha as comidas químicas pelo ambiente, viciando outras espécies?
Lazer na Água Mineral é maravilhoso e aprendemos de montão! Por isso, talvez seja importante, antes de nos desligarmos dos nossos problemas e das nossas questões, refletirmos sobre o que, de fato, queremos aprender enquanto estamos ali. Queremos aprender como nos integrar à natureza conhecendo-a melhor, ou queremos aprender a destruí-la?
» CILENE RODRIGUES, professora da PUC-Rio» CAROLINA ALMEIDA LISBOA, professora da Universidade de Brasília (UnB)