*Dioclécio Campos Júnior – Artigo publicado no Correio Braziliense –
A espécie Homo sapiens resulta de sucessivas mutações genéticas ocorridas em distintas espécies animais ao longo de milênios. O exemplo mais evidente são as estreitas semelhanças morfológica, anatômica e fisiológica do animal homem com o chimpanzé. A passagem da condição de quadrúpede para bípede permitiu o crescimento e a diferenciação mais avançados do cérebro. Tais mudanças foram decisivas para a viabilização do potencial criativo e inovador da nova espécie. Sua superioridade zoológica consolidou-se amplamente. Venceu desafios ecológicos singulares, criou a agricultura e escravizou quase todas as demais espécies sob o conceito da domesticação. Foram assim dominadas em benefício dos interesses da espécie humana.
Nova fase da evolução das espécies começa a ser vivida no planeta Terra. Com o passar do tempo, vai se esboçando o cenário de mais um capítulo na lógica do evolucionismo. Estranha figura, original, vai brotando do Homo sapiens por meio de ampla mutação tecnológica, não mais genética. Configura-se progressivamente o Robô sapiens, concebido e gerado pelo animal homem. Amadurece rapidamente o ser robótico que passará a comandar a sociedade futura. Sua inteligência artificial ganha atributos inovadores que lhe permitem, com o incessante desenvolvimento, projetar-se acima da inteligência natural do ser humano. E não apenas a inteligência, artificiais também serão nutrição, sexo, concepção, gestação, parto, família, educação, rotina de trabalho, arte, cultura. A espécie humana estará inteiramente subjugada pelo Robô sapiens, como já se pode prever. Na verdade, terminará tecnologicamente escravizada pela versão eletrônica da domesticação humana que já vem sendo implantada.
O homem passará a ser assim adestrado pelo robô. E como o elemento robótico não requer a modalidade de nutrição humana, os animais, particularmente os mamíferos, fontes de proteína, não serão mais abatidos para alimentar os autômatos da inteligência artificial. Além disso, a tendência atual de declínio irreversível da taxa de natalidade do Homo sapiens coloca-o entre as espécies em extinção. Não é, pois, uma visão alucinada imaginar sobreviventes humanos futuramente preservados nos jardins zoológicos da sociedade robótica. Trata-se do reverso da experiência imposta pelo homem a tantos bichos que se tornaram rentáveis atrativos turísticos, em quase todos os países.
A era do Robô sapiens será completamente diferente da atual. Não haverá racismo, preconceitos de cores, classes sociais distintas, exploração sexual, genialidades distintivas, hábitos e condições de vida seletivos, abusos e negligências contra crianças e adolescentes, leis trabalhistas e previdenciárias, proteção contra violência, presídios, orfanatos, creches, asilos para idosos nem cultos funerários com cremação ou sepultamento. A figura robótica atingirá o clímax do materialismo dominante, desprovido de toda e qualquer sensibilidade ética desenvolvida pela espécie humana durante o reinado que exerceu sobre as demais. Virá à tona a famosa lei da atração material: \”A matéria atrai a matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias\”. Será o princípio dominante na dinâmica de uma era robótica.
A alma do novo engenho tecnológico que passa a culminar a trajetória do evolucionismo é a síntese do alcance ilimitado do algoritmo, que está na gênese da mutação cibernética imperceptivelmente gerada pelo Homo sapiens, da qual nasceram o corpo e a mente do Robô sapiens. Esgota-se, assim, o reinado do Homo sobre todos os outros animais porque passa a estar subordinado à nova espécie cibernética a que deu origem. Quanto mais se investir na chamada inteligência artificial, maior será o poder que lhe é conferido na lógica evolucionista da lei do mais forte, que esteve sempre em vigor.
A deificação do homem, bem caracterizada por Yuval Noah Harari em seu livro Homo Deus, é o objetivo das transformações que vêm sendo procedidas no intuito de gerar práticas tecnológicas capazes de dominar o universo. Perde-se, contudo, a capacidade de perceber o empoderamento do maquinismo robótico, que progressivamente vai se tornando insuperável, ganhando independência poderosa relativamente à reduzida capacidade de seu controle pelo animal homem. Se o Homo sapiens não se der conta dos erros que comete na rota do evolucionismo animal, o Robô sapiens assumirá o controle do planeta, condenando o mamífero humano à insignificância de mais uma espécie domesticada.