A ética como pretexto ou a politização da ética

Por *Geniberto Paiva Campos

 É preciso muito cuidado com o uso de certos conceitos. Podemos, sem perceber, ser objeto da mais grosseira manipulação.

Lancemos a convocatória: – Cidadãos de todo o mundo, uni-vos. Nada tendes a perder ao fazer o diagnóstico e denunciar a mais abjeta campanha, hipocrisia jamais perpetrada contra mentes crédulas e ingênuas. Integrantes do vasto rebanho dos tolos, facilmente manipuláveis. Há décadas.

Convoquem-se os filósofos, os doutores da Academia, os sábios de todas áreas do conhecimento. Precisamos estar atentos e fortes contra o assédio moral dos hipócritas militantes. Ou seremos vítimas da mais tosca manipulação política, aplicável a segmentos, digamos, mais sensíveis da sociedade.

Comecemos então, didaticamente, por definir hipocrisia, para chegarmos à ética.

Eis a definição mais precisa que encontramos: “hipócritas são aqueles que aplicam aos outros os padrões que eles se recusam a aceitar para si mesmos”.

Portanto, nada mais fácil do que impor a ética como padrão de conduta inviolável. Principalmente quando esse padrão não é aplicável àqueles que impõem esse excelso valor.

E, ainda mais grave, quando os que se supõem portadores de elevados conhecimentos e douta sabedoria são tão somente ridículos parlapatões. A expor, tristemente, a sua ignorância, perceptível e evidente, mesmo disfarçada sob as vestes da “politização”, expostas a toda hora, nos veículos de comunicação de massa.

Como resultante dessa tosca manipulação dos hipócritas, surgem, e são prontamente assimilados, conceitos filosóficos historicamente aceitos e respeitados, agora travestidos de novos significados. E edulcorados de conteúdos políticos e partidários.

A Ética, por exemplo.

Aprendemos com Kant: “Atua de tal maneira, que tua conduta possa tornar-se, em condições similares, normas para todos os homens.”

No dicionário Houaiss, “ética é parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especificamente a respeito da essência das normas, valores prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social”.

Ao assistir a um Seminário, em ambiente acadêmico, sobre a ética aplicada a diversas situações nas relações humanas e sociais – na economia, na política, no judiciário – me dei conta que o conceito clássico de ética não conseguia permear de maneira convincente nenhuma das situações expostas.

Na economia, por exemplo, ao abordar o controverso tema da “Dívida Pública”, ficamos na dúvida se é, de fato, uma questão ética ou simples caso de delegacia de polícia.

Pois o Neoliberalismo, nos últimos tempos adotado no Brasil, ao priorizar o lucro acima de todos os princípios, por onde passa, vai reduzindo a pó valores como o Trabalho, Divisão do Produto do Trabalho, Direitos Humanos e princípios como Honestidade e Decência na sociedade humana.

Dizia o dramaturgo Bertolt Brecht, em frase que lhe é atribuída: – “O que é o roubo de um banco, comparado à fundação de um banco?” questionando severamente a natureza eticamente fluida das transações bancárias.

Após a brilhante e corajosa exposição de uma participante do evento, sobre a origem e a natureza da Dívida Pública, e a gatunagem que isso representa, caímos na realidade: é, realmente um simples caso de polícia. Colocado num patamar bem inferior aos princípios éticos e filosóficos. Lembrando a canção popular: -“CHAME O LADRÃO! CHAME O LADRÃO!”

O sigilo bancário, levado às suas últimas consequências, produziu essa estranha distorção – moralmente aceita – os Paraísos Fiscais. Um local sagrado, onde o Capital Financeiro esconde e aumenta os seus lucros, livres dos incômodos de taxações e impostos.

Saí do evento perguntando aos meus perplexos botões: qual a diferença entre estes estranhos paraísos fiscais e as malas de dinheiro guardadas pelo deputado baiano, na sala do seu apartamento em Salvador, na Bahia de todos os santos e de todos os pecados? Uma simples questão de endereço?

E em triste desalento, cheguei à conclusão: não seria mais correto e apropriado organizar um outro seminário, intitulado, “A HIPOCRISIA NAS RELAÇÕES JURÍDICAS, ECONÔMICAS E POLÍTICAS NUM MUNDO ORIENTADO PELOS VALORES NEOLIBERAIS”???

Talvez fora da Academia. Quem sabe num desses presídios brasileiros. Superlotados de negros e pobres. Onde a maioria cumpre longas penas, mesmo sem prévio julgamento, e sem sentenças definitivas. Pois, como aprendemos, “a lei é para todos”. Mas as penas…


* Médico cardiologista, coordenador do Grupo de Estudos de Saúde do Movimento 2022 O Brasil que queremos e membro do Instituto Lampião.

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