Escola sem liberdades?

Isaac Roitman*

Artigo publicado no Correio Braziliense

A palavra escola tem origem na Grécia: skhole que evoluiu para o latim schola com vários significados: discussão, conferência, lazer e folga. O termo liberdade tem origem latina: libertas, podendo ser sinônimo de ousadia, franqueza e familiaridade. Ela significa o direito de agir segundo o livre arbítrio. A liberdade na filosofia é entendida como a independência do ser humano em sua autonomia e espontaneidade.

Na arena das discussões sobre o futuro da educação brasileira, a proposta da escola sem partidos é polêmica. Ela é totalmente contra a atmosfera de liberdade que deve haver no ambiente educacional. Foi apresentada em forma de projeto no estado do Rio de Janeiro em 2014, e se espalhou por diversas câmaras municipais e assembleias legislativas. Em âmbito nacional, foi apresentado o PL 867/2015, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, sabiamente concebida por Darcy Ribeiro.

A argumentação dos que defendem esse projeto é enganosa, pois não se trata da não partidarização das escolas, mas sim à retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade de se democratizar a escola, que deve ser um espaço de partilhas e aprendizados com muito diálogo. Da mesma forma, é falso o argumento dos que defendem esse retrocesso educacional que \”um exército organizado de militantes travestidos de professores se prevalece da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo\”. Esse movimento, segundo Geniberto Paiva Campos, é a nova palavra de ordem do conservadorismo brasileiro, aplicada à educação.

A questão é: escola com ou sem liberdade. A liberdade de pensamento é sagrada em uma democracia. De um lado, ela implica no direito de manter uma posição sobre um fato, independentemente das visões dos outros. O livre pensar não deve ser influenciado por nenhuma tradição, autoridade ou qualquer dogma. Por outro, a censura é a aprovação ou desaprovação prévia de circulação da informação, visando à proteção dos interesses de um estado ou grupo de poder. Ela falsamente procura justificar em termos de proteção à sociedade, mas na verdade, esconde uma posição que submete professores, artistas, intelectuais, os movimentos sociais ao poder do Estado e infantiliza o público, considerado como incapaz de pensar por si próprio.

Segundo Hanna Arendt, o que há de mais nobre no ser humano é a capacidade de pensar. Ela aponta que nossa capacidade de julgar, de distinguir o certo do errado, o belo do feio, depende de nossa capacidade de pensar. O ato de pensar, sobretudo o pensamento crítico, permite votar melhor o que certamente fortalece a democracia.

Muito se tem debatido e escrito sobre educar para a cidadania, educar para a paz, tolerância e direitos humanos. O artigo 206 da Constituição brasileira de 1988 diz que: \”O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV- gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Vamos respeitar a nossa lei maior e impedir retrocessos.

A liberdade é cláusula pétrea de um ambiente educativo virtuoso. À medida que o conhecimento é transmitido e debatido sem amarras, a educação promove a expansão da personalidade de cada um. Vamos dizer não a essa iniciativa retrógrada contida na escola sem partidos. Todos nós temos um papel a cumprir nesse contexto. É importante lembrar o pensamento de Jean-Jacques Rousseau: \”O homem não foi feito para meditar, mas para agir\”. Lembremos também a frase do mesmo pensador: \”O homem nasceu livre e por toda parte vive acorrentado\”. Vamos quebrar e eliminar as correntes. Vamos construir uma escola pública de qualidade para todos os brasileiros, onde, além da alfabetização das letras e dos números, tenhamos uma percepção do mundo por meio da ciência e, sobretudo, incutirmos nas próximas gerações a solidariedade, a beleza da paz, o respeito à diversidade, à ética e a outros valores que permitam um salto na convivência virtuosa entre os seres humanos e quiçá na sobrevivência da espécie humana. 


*Professor emérito e coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da Universidade de Brasília; pesquisador emérito do CNPq e presidente da Comissão do Movimento 2022: \”O Brasil que queremos\”. 

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