Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, e membro do Conselho Consultivo do Movimento 2022, o Brasil que queremos, escreve para o jornal Correio Braziliense
Em artigo anterior, procurei ressaltar a importância do esforço que o Brasil vem fazendo na construção de um currículo para a Educação básica. Sem dúvida, trata-se de grande desafio, não só pelo seu ineditismo na história da Educação brasileira, mas também pela complexidade do próprio processo. Neste artigo procuro retratar o estado atual do debate e das análises em torno do documento inicial encaminhado pelo MEC.
A sua importância começa pelo fato de que esse currículo, intitulado Base Nacional Comum (BNC), servirá de referência para todas as Escolas públicas e particulares do Brasil. A BNC é também um passo importante para contribuir no enfrentamento da desigualdade da oferta educacional em nosso país, pois será bússola para orientar todos os Alunos na direção dos seus direitos de aprendizagem. Não se trata de um currículo mínimo, no sentido reducionista e empobrecedor. Espera-se na verdade que a Base possa trazer uma visão sistêmica e comum desses direitos, permitindo que Alunos e Professores promovam um diálogo motivador pelo direito à Educação.
O que está acontecendo agora no Brasil vem ocorrendo em muitos outros países. Ao organizar os conhecimentos essenciais num documento único, esses países acabam criando padrões nacionais de qualidade claros que devem ser perseguidos. A partir das determinações da Base, o que acaba acontecendo — pelo menos nos países onde a política pública curricular está mais avançada— é que vários outros elementos do sistema educacional também são reorganizados, como a formação inicial e continuada de Professores, os materiais didáticos e as matrizes das avaliações de aprendizagem.
Não há dúvida, portanto, de que a Base é necessária para o país. A questão é de que base se trata. Sua qualidade é crucial para seu sucesso — e, por isso, inegociável. Em setembro do ano passado, o MEC publicou o primeiro rascunho do texto, escrito por um grupo de mais de uma centena de redatores, entre especialistas e indicados por secretarias municipais e estaduais de Educação. Até aqui, o MEC já havia recebido 9,9 milhões de contribuições, individuais e de entidades, o que demonstra a importância que o país está dando ao tema. Isso é muito bom!
Uma segunda versão da BNC, a partir dessas contribuições (a consulta pública fica aberta até 15 de março no site:http://basenacionalcomum.mec.gov.br/), será apresentada, segundo o MEC, em abril próximo. A última versão, que segue para apreciação do Conselho Nacional de Educação, está prevista para junho, de acordo com o que determina o Plano Nacional de Educação.
A primeira versão do MEC está longe da qualidade necessária, mas foi importante para iniciar o processo de consulta e mobilização pela BNC. É nesse cenário que se insere o Movimento pela Base Nacional, do qual o Instituto Ayrton Senna faz parte. Trata-se de um grupo não governamental de profissionais, pesquisadores e entidades da área de Educação, que desde 2013 atua pela construção de uma Base de qualidade. Ao longo desse processo, o movimento organizou diversas leituras críticas sobre o tema, algumas das quais retratando as experiências internacionais da construção de uma BNC. Fazem parte desse movimento mais de 15 instituições de referência e 150 profissionais da Educação.
Os resultados mostram que ainda é preciso avançar bastante. A segunda versão da BNC precisará vir com mudanças significativas de conceitos e de estrutura. Essa primeira versão está desprovida de foco naquilo que é essencial: falta mais integração entre as etapas da Educação básica, além de uma progressão clara dos objetos de aprendizagem. Falta também conexão entre o que está proposto nos textos introdutórios e o que está descrito em vários objetos de aprendizagem constantes no documento do MEC.
Muitas outras análises críticas estão sendo feitas e divulgadas, e, apesar de todos os pontos a melhorar, não se pode perder de vista a importância estratégica desse primeiro documento. Ele trouxe a discussão sobre o direito de aprender para a vida real. Isso precisa ser valorizado e encarado, sobretudo, como uma oportunidade rara de construirmos uma Base mais afinada com as necessidades reais dos Alunos. O MEC tem pela frente um grande desafio: sistematizar todas as contribuições e propostas num curto espaço de tempo. Uma coisa o país espera: que o documento da Base Nacional Comum empurre a “fronteira” da Educação. Isso passa por uma Educação integral para todos os Alunos, que coloque em prática os quatro pilares da Unesco (aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a conviver e aprender a fazer), integrando as habilidades cognitivas com aquelas essenciais necessárias para o século 21 — as chamadas habilidades socioemocionais.
Mozart Neves Ramos é diretor do Instituto Ayrton Senna. Foi reitor da Universidade Federal e secretário de Educação de Pernambuco.