Uma nova universidade, uma nova sociedade

Por Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília, em artigo para o Monitor Mercantil em 14/10/2020

 

É quase unanimidade o mantra que diz que “a solução do Brasil é a educação”. Repetir o mantra e não avançar é ficar na retórica repetitiva. É andar em círculos. É preciso nos libertarmos dessa armadilha. Grandes pensadores indicaram caminhos para conquistar avanços. Noam Chomsky, denuncia que a escola atende os interesses do poder em vez de expandir a consciência, questionando dogmas. O ensino que privilegia a expansão da consciência, através da dúvida e do questionamento, daquilo que desafia dogmas, é preterido em relação àquilo que se faz dentro dos dogmas, da sistematização, da massificação.

Não haverá grandes transformações se continuarmos a utilizar a educação para que as pessoas tenham uma posição de subserviência. A educação no Brasil, segundo Darcy Ribeiro, foi apropriada para tornar seus cidadãos com baixa capacidade para interpretar livremente os fatos, inibição das formas cognitivas, repertório limitado etc.

O nosso grande desafio é proporcionar uma educação de qualidade no nosso ensino básico (primeira infância, educação infantil, fundamental, ensino médio e profissional) a todas as crianças e jovens. Os conteúdos, a pedagogia, as avaliações e outras dimensões do sistema educacional vigente estão ultrapassados. É imoral sabermos que nossas escolas básicas são fábricas de analfabetos (totais e funcionais) e ficar em silêncio.

Se a educação fosse um jogo de xadrez, a prioridade seria a valorização do Rei e da Rainha (professores e professoras). O jogo será perdido se todas as peças do jogo não se voltarem para a valorização dos principais protagonistas desse jogo. Para ganharmos o jogo, as universidades têm um papel fundamental, e elas só cumprirão sua missão se a matéria-prima (egressos do ensino médio) for de qualidade, com capacidade criativa, motivação, pensamento crítico e com valores e virtudes consolidados.

Entre outras dimensões, as universidades brasileiras deverão ter como a maior prioridade a formação inicial e continuada de professores contemporâneos. Esses novos professores deverão agir com mediador, solucionar conflitos, ser estimulador e gerenciador do conhecimento, e não o papel de transmissor de informações. Ele deve atuar para levar o educando a pensar, a criticar e gerar perguntas para a produção do conhecimento e se tornar um cidadão ativo dentro da sociedade, apto a questionar, debater e romper paradigmas.

Para cumprir essa nobre e urgente missão, será necessária uma ruptura na formação atual de professores, inclusive na capacidade de incorporação das novas tecnologias nas áreas de comunicação e informação. Seria também importante criar um sistema de educação continuada, com novos formatos experimentais, necessários e que marcam o dinamismo da sociedade contemporânea. Será um pré-requisito a valorização do professor (salário digno, carreira atraente e condições de trabalho adequadas). O desafio está colocado. Mãos a obras.

Um outro aspecto importante é criar nas universidades atividades permanentes para estudantes do ensino básico através de visitas, palestras, museus, atividades culturais, oficinas etc. Uma simples visita à Universidade pode colocar o ensino superior no horizonte de nossas crianças e jovens, principalmente das camadas mais vulneráveis.

Para estudantes talentosos, pode-se incluir uma atividade permanente no ambiente acadêmico, acionando o Programa de Iniciação Científica Júnior mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Seria não menos importante a ida permanente de estudantes (graduação e pós-graduação) e professores às escolas para atividades (palestras, debates, oficinas etc.).

Todo esse processo deve ser liderado pelas universidades públicas brasileiras. Lembremos de Anísio Teixeira que dizia: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”. É pertinente também lembrar o pensamento do sociólogo húngaro Kar Mannheim: “O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade”

 

 

 

 

 

 

 

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