Um dia após o outro: os ritmos ditados pela pandemia

Por Aldo Paviani, geógrafo e professor emérito da UnB, para o Correio Braziliense em 08/11/2021

 

Muito se afirma que o mundo não será o mesmo após a pandemia. Aí, a pergunta básica será: \”o mundo não será o mesmo em que setores do cotidiano das empresas e da vida das pessoas?\” Tomemos o setor industrial. Nessa atividade, as indústrias pesadas deixarão de lançar fumaça na atmosfera? Os insumos para a produção deixarão de ingressar nos pátios das indústrias? O que foi produzido não será encaminhado para o centro distribuidor e de consumo? Por sua vez, o comércio estará de portas fechadas ou trabalhando por encomendas virtuais? O sistema financeiro, sobretudo pelo braço bancário, não fará empréstimo até acabar a pandemia? Ou, ainda, deixará de receber depósitos para o giro bancário extremamente lucrativo?

A resposta para tudo: nada será diferente do que sempre foi. Apenas, haverá lágrimas e lamentos pelas mortes e pelos prejuízos ocasionados pelo vírus da covid-19 e, pior, das novas cepas que, por certo, surgirão. Nada ficará paralisado, nem sofrerá solavancos em razão da pandemia. Por isso, as atividades seguirão seus ritmos e rumos, como um navio que, ao contrário do Titanic, conseguiu dar a volta nos icebergs ou contornar as rígidas estruturas de corais traiçoeiros.

Por isso, a vida segue e, lamentavelmente, não houve, há mais de um ano, a rapidez necessária para a compra de vacinas imunizantes e, presentemente, a vacinação procura rapidamente aplicar as diversas vacinas e nas diferentes fases possíveis. Há muitas pessoas imunizadas com a primeira, a segunda e a dose de reforço, de tal forma que se nota a redução do número de infectados. Em 4 de novembro de 2021, a estatística fornecida pelo Ministério da Saúde era a seguinte: total de infectados 21.835.785 pessoas; total acumulado de recuperados 21.489.137; infectados em 24 horas 14.661; total de mortes 608.631; 436 óbitos e 13.352 novos casos em 24 horas. O Ministério da Saúde informa que quase 50% da população está vacinada. Esse fato deverá reduzir o número de infectados e de mortes.

Apesar desse brutal número de óbitos, que seria evitados se tivessem sido seguidas as ponderações da ciência e de médicos conscientes, muitos dirão \”a vida segue\”. Sem dúvida, a vida flui, mas os cuidados básicos devem ser seguidos para atenuar o ímpeto da pandemia e salvar pessoas, mesmo que desafiem os cientistas e as recomendações sensatas vindas de todas as partes do mundo: evitar aglomerações, usar máscaras e higienizar as mãos com frequência. Em suma: cuide-se, olhando para os outros.

A vida urbana passa a ser alterada pelas circunstâncias da pandemia. De fato, não se encontram nas ruas e nas diversas atividades dos serviços, comércio, circulação e nas indústrias, pessoas sem máscara ou sem os cuidados que se exigem nesses dias de crise da saúde pública. Há, igualmente, as marcas da pandemia nas atividades, algumas delas falindo por falta de quem compre o que foi produzido. Apesar disso, há que se constatar pequena redução do desemprego, com a tendência de se manter estabilizado, mesmo em patamares elevados, há muitos anos, sempre próximos a 300 mil desempregados ou a taxas acima de 16% da PEA. Em setembro de 2020, a taxa chegou a 18,4%, reduzindo-se a 17,7% em setembro de 2021, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), elaborada pela Codeplan/Dieese/Setrab-DF. Enquanto as taxas se reduzem, os quantitativos se elevam: em 2020, o total de desempregados era de 288 mil e, em 2021, 297 mil, em razão da maior quantidade de pessoas ingressando no mercado de trabalho, em 2021.

Há alguns anos, a PED especificava as diferenças existentes no desemprego por raça/cor. Em setembro de 2020, os negros tinham 20,2% de desemprego, caindo para 19,5%, em 2021, enquanto os não negros se reduziram de 15,3% para 14,4%, sempre lembrando que a taxa média era de 17,7%, em setembro de 2021. A diferença denuncia que o problema da discriminação está presente nos que empregam ou desempregam trabalhadores. Algo a ser revisto a bem de democratizar as oportunidades de trabalho, independentemente, da condição raça/cor existente no Distrito Federal.

Alguns dirão que esse fato (as práticas adotadas no mercado de trabalho) é histórico e se encontra entranhado na cultura e na economia nacional. O fato não quer dizer que isso deva ser estrutural, mas que a sociedade poderá mudar para que todos tenham a chamada igualdade de oportunidade (que é também praticada em países desenvolvidos). A constatação acima referida revela ser importante para modificar o que existe e transformar para atender as demandas e praticar o que, por certo, será um passo a mais no desenvolvimento social e econômico do Brasil. Um passo civilizatório.

 

 

 

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