Por Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília, em artigo para o Monitor Mercantil em 04/11/2020

 

 

Incêndios florestais na Amazônia, incêndios no Pantanal, incêndios na Mata Atlântica, incêndios em hospitais, boates, museus e ônibus. Esse é um cenário dantesco no Brasil. Essa tragédia não é uma jabuticaba. Elas se espalham pelo mundo: incêndios incontroláveis na Califórnia (USA) e Austrália, tragédia de Beirute, etc.

Embora o fogo seja simbolicamente um dos fenômenos mais perigosos da natureza, a maior fatalidade (77%) é causada pela inalação da fumaça. A propagação da fumaça é mais rápida que a capacidade de reação de fuga do ser humano ou animal, o que a torna letal. Os microrganismos e os vegetais lamentavelmente, por serem imóveis, são carbonizados e viram cinzas.

Os incêndios florestais podem ser causados por acidentes (fogueiras, velas em rituais, fagulhas de máquinas, rompimento de cabos de eletricidade etc.) e causas naturais, como os raios. No entanto, a maioria é causada por humanos para a queima para a rebrota de pastagens, queima para plantios, vandalismo, queima de lixo, balões etc.

A morte de microrganismos, plantas e animais provoca um severo desiquilíbrio ambiental, muitas vezes irreversível. Nos últimos anos, esses biomas estão queimando no Brasil em proporções nunca vistas e de forma descontrolada, sem o apoio governamental necessário para o seu combate. Para agravar a situação, está havendo a suspensão de convênios e extinção ou enfraquecimento de secretarias que respondiam por políticas e programas de mudanças climáticas, combate ao desmatamento e queimadas, apoio aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

A catástrofe cultural provocada pelas chamas pode ser exemplificada pela destruição de um acervo de 20 milhões de peças no incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. O descaso público pela educação, pelo desenvolvimento científico, arte e cultura pode ser destaque em uma ópera chamada “O Brasil em chamas”, que deve ser interrompida. Para agravar a realidade brasileira, a negação do valor do conhecimento leva a ideologia em favor de mitos criados pelo medo e pela desesperança.

A tragédia brasileira parece não ter fim. Milhares de pessoas sofreram e vão sofrer por muito tempo, pelas consequências da pandemia da Covid-19. A ignorância e a estupidez dominam os caminhos para o desenvolvimento de vacinas, essenciais para a interrupção da pandemia. O esforço planetário para enfrentar a pandemia deveria ser um elemento de união, com o protagonismo de todos os países. Ao contrário, tornou-se uma competição, uma olimpíada sem ética e humanismo. Ela não pode ser politizada. Uma chama invisível.

Duas instituições centenárias – Instituto Butantan, fundado em 1901, e a Fundação Oswaldo Cruz, fundada em 1900 – estão à frente do desenvolvimento e produção de vacinas e devem ser blindadas de retrocessos que as ameaçam. Os seus dirigentes, Dimas Tadeu Covas (diretor do Instituto Butantan) e Nísia Trindade Lima (presidenta da Fundação Oswaldo Cruz) devem ser apoiados pelas instituições sérias e por toda a sociedade brasileira. Essas instituições não podem ser incineradas por uma combustão silenciosa nesse momento tão delicado para o país.

Voltando ao meio ambiente, é importante registrar a sugestão do historiador ambiental Stephen Pyne, professor emérito da Arizona State University (USA), que estamos entrando em uma nova era, a do fogo – Piroceno – que pode remodelar nosso planeta da mesma forma que a última Era do Gelo esculpiu os nossos rios e lagos.

Os impactos seriam devastadores para o clima e para a biodiversidade. Cada um de nós deve agir como bombeiros para combater os incêndios visíveis e invisíveis e termos um Brasil sem chamas. Se nada fizermos vamos então ser condenados a viver antecipadamente em um verdadeiro inferno. “Vade retro Satana” (“Afasta-te, Satanás”).

 

 

 

 

 

 

 

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