Estudo da UnB expõe impactos da automação no mercado de trabalho

Fonte: Correio Braziliense 
Pedro Henrique Melo Albuquerque, professor da Universidade de Brasília, conta como os profissionais devem se preparar para essas transformações e como as empresas podem tirar proveito para ser mais eficientes e levar vantagem em relação aos concorrentes – 
Estudo realizado pelo Laboratório de Aprendizado de Máquina em Finanças e Organizações (Lamfo), da Universidade de Brasília (UnB), revelou quais serão os impactos da automação no mercado de trabalho brasileiro nos próximos anos. A pesquisa, baseada em consultas com 69 acadêmicos e profissionais de aprendizado de máquina, calculou a probabilidade de o trabalhador humano ser trocado por robôs. O resultado indicou que o avanço da tecnologia vai provocar uma revolução nas profissões na forma como as conhecemos hoje. Muitas ocupações serão extintas, várias passarão por adaptações e outras vão seguir em frente. Nesta entrevista, o professor Pedro Henrique Melo Albuquerque, do Departamento de Administração da universidade e um dos responsáveis pelo estudo, conta como os profissionais devem se preparar para essas transformações e como as empresas podem tirar proveito para ser mais eficientes e levar vantagem em relação aos concorrentes. Albuquerque também acredita que o uso de máquinas vai aprimorar o combate à corrupção e modificar o sistema de ensino no país. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:Como o estudo projeta o mercado de trabalho no Brasil nos próximos anos?A automação é uma realidade e um caminho irreversível. Se todos os cenários que analisamos forem confirmados, a expectativa é de que 54% das 2.062 profissões formais no país podem ser substituídas por robôs ou programas de computador até 2026. Isso representa cerca de 30 milhões de vagas com carteira assinada.

Esse cenário pode levar ao aumento do desemprego no Brasil?

Não necessariamente. Não significa que todas essas pessoas vão perder o emprego. Acredito, na realidade, que haverá uma mudança nas profissões na forma como as conhecemos hoje. Além disso, o estudo abre caminho para que as empresas orientem suas estratégias e o país desenvolva políticas públicas para se preparar para essas transformações.

O que influencia a probabilidade de um trabalhador humano ser trocado por um robô?

Existe um padrão que é possível ser observado. No geral, são funções manuais, com poucas variedades de tarefas e que não exigem criatividade. Essas atividades repetitivas e maçantes são as mais simples de ser automatizadas.

O senhor pode dar um exemplo?

O ascensorista. Já não faz mais sentido para a empresa pagar um funcionário para apertar um botão. Outro caso: o Senado tem o cargo de operador de máquina copiadora, que basicamente tem como função tirar xerox. São operações com alto grau de possibilidade de serem executadas por máquinas.

Como o profissional pode identificar que a ocupação dele é suscetível a ser substituída por robôs?

Uma forma de perceber bem é verificar a quantidade de atividades que ele exerce. Esse nível de variabilidade é um fator importante para avaliar. Quanto mais coisas uma pessoa faz, mais difícil é ela ser trocada por uma máquina.

Nesse sentido, o que pode garantir que uma profissão terá maior sobrevida?

A propensão de uma ocupação ser automatizada diminui em serviços que envolvem criatividade, raciocínio e contato humano. Babás e artistas são exemplos claros e têm riscos perto de zero. Outro fator é o tempo de preparo.

O que é isso?

É o tempo que uma pessoa levou para se especializar. Ou seja, o quanto ela estudou, desenvolveu capacidades e trabalhou naquilo para chegar a um nível elevado de experiência. Porque quanto mais tempo de preparo uma pessoa tem, mais apta ela está para exercer uma gama de atividades, improvisar e se adaptar. Isso é difícil de ser assimilado por uma máquina. Se o tempo de preparo é baixo, vai ser simples a máquina ou o programa de computador desempenhar aquela capacitação.

Como os profissionais podem se preparar para não ficar para trás diante dessas transformações?

Quem já está no mercado precisa avaliar se aquilo que ele faz hoje é extremamente rotineiro. Então, para não ser surpreendido, precisa investir em capacitação, em funções mais cognitivas, que exigem criatividade, improviso e contato humano.

O senhor falou em profissões que serão transformadas. Como será isso?

Essas ocupações vão passar por adaptações, com as atividades rotineiras ficando com os robôs e as que envolvem contato sob responsabilidade de humanos. Um contador, por exemplo, que tem como função basicamente preencher formulários e calcular índices econômicos, pode ser trocado por um programa de computador. Já o profissional que atua para assessorar a gestão empresarial ou intermediar acordos com sindicatos dificilmente perderá a posição para uma máquina. É preciso destacar também que algumas barreiras podem retardar o avanço da automação.

Que barreiras são essas?

Muita gente, sobretudo os mais velhos, ainda não se sente à vontade interagindo com robôs e prefere ser atendida por humanos. Podemos citar também pressões políticas e relacionadas à legislação brasileira. Como exemplo, todo posto de combustível no país é obrigado a ter um frentista. Essa proteção inibe a automação.

Todas as profissões, de alguma forma, serão impactadas pela inovação tecnológica?

Acredito que todas as ocupações do futuro vão ter uma pegada de programação. O profissional vai programar as tarefas rotineiras e focar suas atividades no que envolve criatividade. As novas profissões vão surgir com o aprimoramento da tecnologia, como cientistas e programadores ligados à inteligência artificial e aprendizado de máquina. Muito em breve, o contato com a máquina vai ser natural pra todo mundo. Hoje, já existem serviços experimentais que conseguem agendar de reuniões até compromissos pessoais, como horário em salão de beleza. Em vez de um empregado perder tempo tentando conciliar as agendas de mais pessoas, a máquina consegue processar essa informação em um tempo mais curto e identificar quando o compromisso vai poder ser marcado. Mas, ainda assim, o humano estará presente.

Por quê?

Porque os dados para abastecer esse robô ou o programa de computador precisam existir. Alguém vai precisar criar e gerenciar essa base de informação. Só o ser humano está preparado para isso.

Como as empresas podem se preparar para esse cenário?

Automação significa basicamente a sobrevivência das empresas. Vai ajudá-las a ser mais eficientes, a atender a uma demanda com muito mais agilidade, se posicionar melhor e sair na frente. Por isso, será preciso investir em bancos de dados e na melhoraa da qualidade das informações que são levantadas. Isso vai ser primordial para a competitividade. Com esses dados, as empresas vão conseguir cada vez mais automatizar as tarefas. Isso vai impactar no aumento da eficiência dos processos, na redução de custos e também na possibilidade de certas atividades serem executadas 24 horas por dia, sete dias por semana.

Que outros ganhos as máquinas poderão trazer?

Os robôs poderão fornecer informações mais precisas para melhorar a tomada de decisões dos executivos. Eles vão funcionar como suporte da decisão gerencial, fornecendo simulações e apresentando possibilidades de cenários para que os executivos possam realizar as escolhas mais adequadas. Reforço novamente que, por mais que as máquinas forneçam as informações mais completas, a palavra final vai ser de um humano.

Como o poder público poderá aproveitar o avanço da tecnologia?

Poderemos ter políticas públicas mais eficientes. Saber áreas mais deficitárias, onde o governo está gastando muito e, claro, identificar servidores corruptos. Os órgãos de fiscalização poderão acelerar as investigações.

Como?

Na esfera pública, quando um padrão de esquema de corrupção é identificado, a máquina pode mapear contratos e apontar indícios de fraude. Aí vai entrar o trabalho do humano, que pode se concentrar na análise de documentos específicos com fortes sinais de adulteração. A tendência é aumentar a produtividade. Mais uma vez, também nesse cenário a presença humana será fundamental para abastecer as máquinas com informações novas, com variações dos atos corruptos e padrões inéditos.

A automação também vai afetar o sistema de ensino?

Acredito que o aprendizado nas escolas vai precisar ser modificado. As crianças precisam desenvolver o raciocínio lógico desde cedo, porque a programação é universal. Não precisa de recursos elevados para ser ensinada, mas, sim, de alguém inteligente. Isso vai capacitar as novas gerações a pensar em soluções de automação. Dentro disso, com o passar dos anos, será preciso fazer uma introdução à robótica e à inteligência artificial. Precisamos reforçar o ensino de matemática, que dá o raciocínio da lógica. Também será fundamental o ensino de inglês. Em conjunto, vamos precisar de disciplinas que explorem a criatividade, que deem uma bagagem para poder inovar e improvisar.

Na sua avaliação, o que ainda falta para o Brasil dar esse salto na automação e atingir o mesmo nível dos países mais ricos?

Duas coisas. Primeiramente, será preciso qualificar os profissionais, melhorar o nível de leitura e superar a barreira para o aprendizado do inglês. A segunda é melhorar a qualidade dos dados, porque a máquina vai aprender com base neles. Hoje, muita informação vai pro lixo. É ouro o que está sendo jogado fora. O uso dos dados permite mapear processos e tornar eficiente toda a cadeia produtiva.

\”Quem está no mercado precisa avaliar se aquilo que faz hoje é extremamente rotineiro. Então, para não ser surpreendido, precisa investir em capacitação, em funções que exigem criatividade\”

\”Automação significa basicamente a sobrevivência das empresas. Vai ajudá-las a ser mais eficientes, a atender a uma demanda com muito mais agilidade, a se posicionar melhor e sair na frente\”

\”Se todos os cenários que analisamos forem confirmados, a expectativa é de que 54% das 2.062 profissões formais no país podem ser substituídas por robôs ou programas de computador até 2026. Isso representa cerca de 30 milhões de vagas com carteira assinada\”

\”Os robôs poderão fornecer informações mais precisas para melhorar a tomada de decisões dos executivos. Eles vão funcionar como suporte da decisão gerencial, fornecendo simulações e apresentando possibilidades de cenários para que os executivos possam realizar as escolhas mais adequadas\”.

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